No começo dos anos 1980, a AIDS começava a espalhar-se pelo mundo, sem que os afetados soubessem do que se tratava e como lidar com a ameaça. Em Vitória, o estudante Suzano volta da França para o Ano Novo, sofrendo os primeiros sintomas, que ele esconde dos outros. Na cidade, outras pessoas, como a performer trans Rose e o videomaker Humberto, logo notarão problemas também.
- Por Neusa Barbosa
- 29/06/2022
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Escrito e dirigido por Rodrigo de Oliveira, Os Primeiros Soldados é um pequeno e dolorido retrato de época, no caso, o início da propagação da AIDS, no começo dos anos 1980. O cenário é Vitória (ES), mas poderia ser muitos outros lugares do mundo onde, naquele momento, milhares de pessoas adoeciam e morriam, sem nem mesmo saber exatamente o que tinham e sofrendo todo tipo de estigma - porque as fake news da época atribuíam a doença apenas a gays, prostitutas e viciados em drogas injetáveis.
Baseando seu roteiro em pesquisas, o diretor extrai personagens como Suzano (Johnny Massaro), um estudante de Biologia na França que volta para o Ano Novo à capital capixaba, onde nasceu e moram sua irmã Maura (Clara Choveaux) e o sobrinho adolescente, Muriel (Alex Bonini).
Como muitos naqueles dias, Suzano está começando a sentir os primeiros sinais da doença, que ele esconde de todos, sem saber ainda como lidar. Enquanto isso, retoma contatos antigos, como Joca (Higor Campagnaro), seu ex-, e Rose (Renata Carvalho), uma performer trans que domina a cena numa pequena boate gay. O contraste entre dois réveillons dá o tom do rumo das coisas: Suzano se esconde, sozinho, numa casa vazia, enquanto Rose comanda o seu show, descambando para um tom mais sombrio do que pretendia ao cantar Um Homem Também Chora, de Gonzaguinha. 1983 está começando e não traz boas notícias para muitos.
Oito meses depois, Rose desapareceu, assim como Humberto (Vitor Camilo), um seu amigo, videomaker e câmera. Suzano, por sua vez, finge que voltou para a França, falando periodicamente com a irmã pelo telefone. Na verdade, os três estão muito perto, refugiados no pequeno sítio de Suzano, vivendo em comum a experiência da contaminação e o uso de remédios que o namorado de Suzano manda periodicamente da França. Eles passam o dia se filmando, controlando os sintomas, as marcas na pele, compartilhando uma tentativa desesperada de enfrentar uma doença tão desconhecida quanto mortal - e que poucos médicos ainda estavam dispostos a encarar.
Premiado em diversos festivais, como Mannheim-Heidelberg, Rio, Tiradentes e outros, Os Primeiros Soldados se ancora nesse relato em primeira pessoa de personagens que se sabem perdidos e arrancam de uma esperança mínima e da convivência entre iguais uma trilha para sobreviver o tempo que for possível. Ao resgatar esse clima de desespero, assim como um misto de preconceito e indiferença de alguns serviços médicos - e um episódio num hospital é particularmente dramático -, o filme já presta um tributo importante a tantos e tantas que morreram - não só da doença como da incompreensão que contribuiu para retardar o desenvolvimento das medicações que hoje salvam a vida dos portadores do HIV.