A trajetória de Zé Wilson, veterano mestre circense alagoano, é uma espécie de amostra do Brasil. Com uma trajetória de vida de menino que nasceu numa família de circo, caiu no mundo, viajou, se reinventou e criou uma pioneira escola - o Circo Escola Picadeiro, em Guarulhos (SP) -, ele é a mais perfeita síntese do brasileiro, profissão esperança, que se faz a si mesmo enquanto traça o seu caminho.
É também um caminho, que leva Zé Wilson de volta à sua cidade natal, Major Isidoro (AL), que compõe a espinha dorsal do documentário O Circo Voltou, em que o diretor Paulo Caldas e sua equipe embarcam a bordo da trupe do protagonista para retratá-lo nesta viagem - ele que, por incrível que pareça, nestes anos todos, nunca se apresentou na cidade natal, onde se iniciou no circo de seus tios, o Circo Spadoni, agora sob sua administração.
A estrada é, aliás, parte essencial da vida do circo, passando pelas localidades mais remotas de um país nunca menos do que imenso, em extensão e diversidade. A primeira parada é Furquim (MG). A segunda, a comunidade quilombola Cinzento, nas imediações de Vitória da Conquista (BA). A terceira, numa comunidade indígena Xukuru-Kari, em Palmeira dos Índios (AL).
Entre uma parada e outra, os incidentes normais da viagem, como o conserto de pneus furados e as conversas que recordam as aventuras de Zé Wilson e outros integrantes da trupe, algumas envolvendo risco de vida: como o incêndio que feriu Jorge Antônio no Globo da Morte e o entrevero do próprio Zé Wilson com uma pantera (este reproduzido por uma providencial animação, assinada por Ari Arauto, também o montador do filme).
Do Circo Escola Picadeiro, renderam frutos como a participação de Zé e vários alunos na peça Ubu - Folias Physicas, Pataphysicas e Musicaes, de Cacá Rosset. Pelas coxias da Picadeiro, passou também um de seus alunos mais famosos, Domingos Montagner, a quem Zé Wilson, sua mulher Alessandra e o filho Pedrinho - este, o narrador do documentário - prestam uma homenagem no rio São Francisco, onde o ator se afogou, em 2016.
No final, este filme extremamente despojado extrai seu encanto de ser, sem essa intenção, uma espécie de negação de Bye Bye, Brasil, de Cacá Diegues (1980), mostrando que a TV e mesmo a internet não destruíram completamente o interesse pelo circo no interior do Brasil profundo. Assim, o reencontro de Zé Wilson com sua terra natal acaba por tornar-se uma metáfora do reencontro de um país consigo mesmo - e a boa nova é que ele continua lá.