Napoleão começa com a decapitação na guilhotina de Maria Antonieta (Catherine Walker), um momento definidor tanto da história da França quanto do filme. Ridley Scott mostra, com gosto, o pescoço e a cabeça solta do corpo. É um anúncio de que o filme está mais interessado em sangue e entranhas do que, exatamente, em história. Em suas pouco mais de duas horas e meia, vísceras são uma constante.
Ao mesmo tempo, é curioso como não esse não seja, exatamente, um filme visceral. Escrito por David Scarpa, o longa foca mais nas batalhas do que na política. Ainda assim, a narrativa histórica se atropela, concentrando-se em alguns poucos momentos da vida do personagem-título, interpretado por Joaquin Phoenix. Os letreiros finais contam que o imperador francês participou de 61 batalhas; o filme escolhe, quase que aleatoriamente, apenas seis delas.
Não é de se negar, no entanto, a maneira vigorosa como Scott filma esses momentos, num widescreen repleto de acontecimentos – não há um canto da tela vazio de movimento – o que torna o filme, em certos momentos, intoxicante, para o bem e para o mal. A narrativa, no entanto, não tem tempos mortos. Portanto, nunca se torna um filme tedioso pois há sempre algo acontecendo, seja na sua dimensão épica ou pessoal.
Scott não faz um Guerra e Paz – ainda bem, pois a última coisa que alguém poderia querer seria ele pondo a mão em Tolstói – mas alterna momentos de guerra e, se não paz, calmaria. Se a ambição épica é o que domina o filme, mas as melhores cenas são exatamente as intimistas, na relação tumultuada e apaixonada entre Napoleão e Josephine de Beauharnais (uma excelente Vanessa Kirby), viúva de um general guilhotinado na Revolução Francesa.
A paixão era tão grande, que Napoleão abandona uma campanha no Egito para voltar para casa ao saber que sua mulher o traía. O relacionamento é sempre conturbado – com direito a uma excelente cena envolvendo costela de cordeiro – mas também muito apaixonado. A sede de poder (ou, como ele dizia, o amor pela França), porém, era maior, a ponto de se divorciar dela para casar-se com outra mulher que poderia lhe dar filhos. Ainda assim, o casal continuou próximo.
É nesses momentos que Napoleão é muito mais iluminador do que nas cenas de guerra. O protagonista é uma figura fascinante na interpretação de Phoenix. O autoproclamado imperador é um homem infantilizado, inseguro, solitário, antissocial e sempre numa posição isolada por sua origem corsa. O filme atravessa três décadas da vida do personagem, com pequenas mudanças na aparência que marcam sua transformação sutil.
Se a intenção de Scott era uma espécie de revisionismo da figura napoleônica, o filme é um fracasso, nesse sentido. Apenas ilustra a história conhecida – com algumas variações – mas o humano Napoleão é um mistério aqui. Por outro lado, o que poderia ser o diferencial é realmente a relação de dominação e poder entre ele e Josephine – algumas cenas, nesse sentido, são reveladoras –, mas o filme não investe o suficiente nessa trama, deixando-a solta demais para que algo mais marcante fique desses momentos. Ao fim, o que vai ser lembrado do filme serão mesmo o sangue e as vísceras.