Concorrente à Palma de Ouro no Festival de Cannes 2023, o melodrama da veterana Catherine Breillat suscitou mais perguntas sobre a razão de o filme ter sido feito e de participar da competição do que outra coisa.
Trata-se de um remake do drama erótico dinamarquês Rainha de Copas, da diretora May El-Touy. A excelente atriz francesa Léa Drucker repete o papel vivido naquele filme por Trine Dhyrholm, da advogada Anne.
Especializada em direito de família, Anne envolve-se com seu problemático enteado adolescente, Théo (Samuel Kircher), uma paixão carnal cujas cenas de sexo a diretora mostra generosamente - deixando claro que era esta mesmo sua intenção, produzir o petit scandal do festival.
Se não segue passo a passo o roteiro do filme dinamarquês, adaptado por ela, Breillat também não aponta novos caminhos neste melodrama pesado e, por vezes, risível - pela maneira como é conduzido, especialmente. Trata-se, evidentemente, de uma história séria, em que estão implicados temas como abuso de adultos sobre adolescentes, controle do desejo e disputa de narrativas, com manipulações de fatos que têm consequências trágicas.
Tanto quanto no filme dinamarquês, há uma falha trágica na composição da personagem de Anne, cujas contradições se atropelam ao ponto da incongruência - e, afinal de contas, termina dando aos dois filmes um amargo travo de moralismo. O fato de os dois filmes terem sido protagonizados por atrizes de alta competência, não resolveu, de modo algum, este buraco. A humanidade de Anne foi exposta de maneira precária e isto não resolve, muito menos neste filme de Breillat, com sua habitual mão pesada.