08/02/2025
Drama

O Crime do Padre Amaro

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Para ser totalmente fiel ao que acontece na história, e não ao livro que o inspira (do português Eça de Queiroz), o título na verdade deveria ser Os Crimes do Padre Amaro. Pois na verdade trata-se da narrativa de uma gradativa corrupção moral em que o sexo, proibido pelo medieval código de conduta dos religiosos católicos, nem é o maior pecado do padre (Gael García Bernal). Pelo contrário, seu envolvimento sexual com a paroquiana Amélia (Ana Claudia Talancon) é seu traço humano mais natural e compreensível. O que é criminoso mesmo é a maquiavélica adesão do padre às esferas superiores da Igreja, num processo em que ele se convence a ocultar seu "crime" com Amélia, ainda que cometendo faltas bem maiores como a cumplicidade com uma morte, a omissão e a hipocrisia.

A rigor, nem se pode dizer que se trata de uma adaptação do livro original, escrito em 1875, um dos clássicos da literatura portuguesa. A transposição de época e lugar na verdade permitiram uma verdadeira recriação da história, contextualizando o padre numa situação com implicações políticas com as quais o escritor português nem poderia sonhar. Nesse novo contexto criado pelo roteirista Vicente Lenero, o padre, recém-ordenado, embarca para a cidadezinha mexicana de Los Reyes, onde seu superior, o padre Benito (Sandro Gracia), é conivente com a lavagem de dinheiro do narcotráfico, além de manter um longo caso com a dona do restaurante local (Angelica Aragón). Outro dos outros padres da paróquia, Natalio (Damian Alcazar), está envolvido de corpo e alma com a guerrilha camponesa da região, que luta contra a desigualdade milenar que prospera em tantas regiões da América Latina.

Com essas liberdades em relação ao texto original, que nada agradaram nem aos portugueses, ciosos do purismo do livro, nem a parte da Igreja católica mexicana, que se ofendeu com as comparações, o roteirista, porém, nada mais fez do que um exercício de imaginação, na linha: "Como seria se o padre Amaro vivesse hoje no México?". Nada edificante, aliás, é que a Igreja católica não tenha, desde o tempo de Eça, feito uma reavaliação de normas como o celibato, que com certeza está por trás de vários dos escândalos atuais enfrentados pela instituição em vários países, como as acusações de pedofilia.

Talvez por se arriscar a expor temas atuais é que o filme tenha triunfado tanto no México, com mais de seis milhões de espectadores, público que consagra Gael García Bernal como ídolo máximo da "nueva onda" do cinema mexicano. Conhecido dos brasileiros em Amores Brutos e E Sua Mãe Também, Bernal será visto como Ernesto "Che" Guevara, o protagonista de Diários de Motocicleta, produção internacional dirigida pelo brasileiro Walter Salles.

Se O Crime do Padre Amaro é competente naquilo que se propõe ser, um melodrama com algumas tintas políticas e um tempero caliente nas cenas eróticas, também é verdade que em alguns momentos tem um clima de novelão. Além disso, há um certo desequilíbrio entre a primeira metade, em que quase nada acontece, e a segunda, onde tudo acontece depressa demais. Apesar dos pesares, todo seu sucesso consagra definitivamente a carreira do diretor Carlos Carrera - cujo filme anterior, O Feitiço (98), foi lançado apenas em vídeo no Brasil.

Cineweb-17/1/2003

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