20/05/2025

Juliana Rojas aborda a duplicidade em seu premiado “Cidade; Campo”


Juliana Rojas em Gramado, onde filme ganhou dois prêmios (Crédito: Divulgação/Theo Lavagnol)

Cidade; Campo, novo trabalho de Juliana Rojas, é um filme de estranhamentos e rupturas, a começar pelo título, no qual um ponto-e-vírgula faz o lugar de um conectivo. “Eu gosto desse sinal de pontuação que é tão pouco usado”, explicou a cineasta em entrevista ao Cineweb. “Dá uma sensação de quebra, me lembra poesia, uma impressão de quebra e continuidade, que são os temas do filme”.

O longa é divido em duas partes envolvendo o trânsito entre os lugares citados no título. Na primeira, Joana (Fernanda Vianna, prêmio de melhor atriz em Gramado), uma trabalhadora rural, se muda para a casa da irmã na periferia de um grande cidade, depois do rompimento de uma barragem de dejetos de mineração inundar a localidade onde morava. Na segunda parte, Flávia (Mirella Façanha) e sua companheira Mara (Bruna Linzmeyer) se mudam para a fazenda deixada de herança pelo pai da primeira. Na casa abandonada, o passado toca o presente, e transforma a vida de ambas.

Ao longo das narrativas, as duas histórias constroem uma dualidade que marca todo o filme, a começar por duas histórias e a dupla cidade/campo, mas também com pares como realismo/fantasia. “O conceito do filme era de histórias complementares que são independentes, mas tematicamente unidas. A migração, o abandono do local de origem é um processo de luto.”

As duas partes também são, formalmente, construídas numa simetria. “Desde o roteiro, eu ia e voltava, procurando as conexões e rimas temáticas, visuais. Eu sabia que iam chegar a um grande monólogo feito por personagens coadjuvantes.” Além disso, há também sequências musicais que trazem um tom brechtiano típico dos filmes da diretora, tanto em suas obras solo (Sinfonia da Necrópole) ou em parceria com Marco Dutra (Trabalhar Cansa e As Boas Maneiras).

“A música serve como uma maneira de fazer comentários sobre as personagens, as situações que elas enfrentam, e servem como uma ferramenta de distanciamento. Não estão ali ao acaso, ou em qualquer lugar. Servem como uma quebra no momento de ápice emocional, e eu construo o filme pensando nisso, e quando acontece, o público já está preparado.”

Fernanda Vianna, prêmio de Melhor Atriz em Gramado, em cena do filme (Crédito: Divulgação)

Premiado com o Urso de Ouro de melhor direção da Berlinale
Encounters, no Festival de Berlim, no qual fez sua estreia mundial, o longa também ganhou o Prêmio da Crítica, no Festival de Gamado deste ano. Com roteiro também assinado por Rojas, Cidade; Campo começou a ser filmado antes da pandemia. Depois de rodar a primeira parte, a diretora foi obrigada a parar por conta do lockdown, e quando retomou, parte da equipe técnica teve de ser reformulada. A fotografia, por exemplo, é assinada por Cris Lyra e Alice Andrade Drummond; e a direção de arte por Juliana Lobo e Daniela Aldrovandi.

“Não era minha intensão inicial ter uma equipe para cada parte, mas as circunstâncias obrigaram a nos adaptarmos. No fim, acabou sendo muito interessante, dando um aspecto muito próprio a cada segmento, e criando um diálogo entre os departamentos das duas partes.”

Entre os temas do filme também está a precarização do trabalho, em especial na figura de Joana, que, ao se mudar para a cidade, encontra um aplicativo para conseguir trabalhos como empregada doméstica. “A esfera do trabalho é muito importante no filme, e a precarização disso é uma realidade cada vez maior que temos de enfrentar. Para mim, isso é um filme de terror sobre a maneira como as pessoas são exploradas”.

Era também quase um filme de terror rodar a segunda parte do longa em 2021, com todas as restrições impostas pela pandemia. Rojas teve de retomar as filmagens antes mesmo da vacinação, seguindo todos os protocolos de segurança. “Para mim, era um momento de apocalipse, tinha a pandemia e o governo Bolsonaro. A crise afetava tanto a cidade quanto o campo. Eu não conseguia imaginar o que viria depois, era uma sensação de impotência. E estamos vivendo isso [hoje], a precarização ainda mais exacerbada, as transformações climáticas”