Sonhos são a matéria de que é feito este filme. Sonhos e paisagem. Fica até difícil delimitar a fronteira onde acaba um e começa o outro. Foi um sonho do diretor Andrucha Waddington, a partir de uma conversa com o produtor Luiz Carlos Barreto, que deu a partida ao roteiro. É o sonho de desbravar uma nova fronteira que leva o conquistador Vasco (Ruy Guerra) a arrastar sua mulher grávida, Áurea (Fernanda Torres) e a sogra, Maria (Fernanda Montenegro) para uma vasta duna no Maranhão. No meio de um ambiente que projeta o infinito, feito de sol, luz e areia na mesma medida, ele encontra a morte e lança as duas mulheres num novo destino.
Longe de tudo, parece-se estar à margem também do tempo – o ano é 1910, mas poderia ser qualquer outro. Mulheres da cidade, Áurea e Maria fazem o duro aprendizado da adaptação, trocando pertences agora inúteis, como louças, toalhas de mesa e móveis por comida. Esta e outras lições vêm de Massu (seu Jorge), morador do quilombo que se torna um protetor informal das duas. O único contato com o mundo exterior é Chico (Emiliano Queiroz), velho comerciante que traz no lombo de um burro o sal e algumas encomendas. É como estar na Lua, à espera de uma incerta nave espacial.
As duas mulheres vivem assim, governadas por necessidades básicas – comer, beber, dormir, cuidar da recém-nascida Maria, único obstáculo à obsessão de Áurea, que deseja a todo custo partir de volta com o velho mercador. Essa obsessão alimenta o tempo todo o filme, nesse conflito entre o desejo de partir e o peso opressor dessa paisagem, de uma beleza árida e profunda, mas que torna a menor caminhada uma aventura com risco de vida.
Enquanto não pode partir por causa da criança, Áurea tem notícias do mundo lá fora por acidentes – como a chegada de uma missão científica que veio observar as estrelas. Fora disso, neste mundo não há nem mesmo música – a maior saudade no coração da mãe, Maria.
O filme todo é uma jornada intensamente subjetiva, deflagrada a partir de Áurea – um trabalho extremamente bem composto de Fernanda Torres. Ao seu lado, Fernanda Montenegro faz o tempo todo o contraponto. A primeira é instinto, a outra é pragmatismo, uma dualidade que se materializa cada vez mais dentro da história, onde as duas atrizes se alternam nos vários papéis, nas décadas que se seguem, formando a dinastia feminina acuada por um acidente geográfico vasto como a vida: o areal. Seu Jorge (cujo personagem, Massu, mais velho é vivido por Luiz Melodia) é o elemento masculino de um mundo básico, selvagem, mas nem sempre sombrio.
O diretor Andrucha Waddington faz aqui seu filme mais pessoal e rigoroso, que não tem o mesmo apelo musical de Viva São João nem a picardia comportamental de Eu Tu Eles. Em tudo aquilo que estes outros filmes são coloridos, Casa de Areia é quase monotom. São várias nuances do branco da areia, representando a cor invisível do grande coração do homem.