François Ozon, talvez por dirigir com tanta frequência, é um cineasta um tanto irregular. Porém, seu novo trabalho, Verão de 85, é dos seus melhores, repleto de delicadeza e sagacidade. Baseado num romance juvenil do inglês Aidan Chambers, o cineasta, que também assina o roteiro, transporta a ação para uma ensolarada Normandia no ano do título do longa, e conta uma história da descoberta do amor e da sexualidade.
No material de imprensa, Ozon conta que leu o livro em 1985, e se encantou com história de um adolescente que se descobre apaixonado pelo amigo. Para o cineasta, era um livro perfeito, por isso foi sua surpresa ao descobrir que até agora não havia sido ainda adaptado para o cinema. Talvez seja uma daquelas coincidências do destino, que a obra estivesse esperando por ele. Um encontro feliz.
Alexis (Félix Lefebvre) é um adolescente desajeitado e com poucos amigos, que, por acaso, conhece David (Benjamin Voisin), um pouco mais velho do que ele, mais experiente com as coisas da vida. Logo se tornam próximos, mas há uma confusão nos sentimentos, que logo deverão se ajustar.
Há um quê de nostalgia que permeia o filme, seja na fotografia ensolarada de Hichame Alaouie, ou na trilha sonora que inclui clássicos dos anos de 1980, como Sailing, de Rod Stewart, e In Between Day, do The Cure. É como se Ozon sentisse saudades não só de uma época, mas também de um momento em que seu cinema era, digamos, mais simples. Nessas três décadas de carreira, ele se aventurou entre melodramas, comédias, suspenses, temas bem sérios e profundos – não que a descoberta do amor não seja séria e profunda, mas seus filmes pareciam carregar um peso que ele deixa de lado aqui.
Verão de 85 é também sobre Eros e Tânatos, e assim, mais do que um desejo carnal, é um filme ligado ao desejo de viver, mesmo permeado pela morte, que, entre outras coisas, reforça o desejo de viver. Alex, como ele prefere ser chamado, enfrentará uma grande dor, e a maneira como lida com isso não é simples. Como o filme é narrado pelo rapaz anos depois, ele conhece o desenrolar dos fatos, e diz, quando David entra em cena: “É ele, o futuro cadáver”. Como desde o começo, sabemos que o rapaz irá morrer, o que interessa ao filme é, em certa medida, como e as consequências disso na vida do protagonista.
David é filho de madame Gorman (Valeria Bruni Tedeschi, incrível num papel pequeno, mas importante e marcante), uma mulher livre, dona de uma pequena loja, cujo comportamento se transformará com a perda do filho. Outro personagem marcante no livro é monsieur Lefevre (Melvil Poupaud), professor de francês de Alex, que encoraja o rapaz a escrever sobre os fatos para tentar compreender o que está acontecendo consigo. E, ao colocar a narrativa sob o ponto de vista de um adolescente inexperiente com a vida, Ozon se permite construir uma história sem os floreios a que estava acostumado, permitindo que o filme seja mais fluido, mais interessado nos sentimentos de seus personagens do que em malabarismos formais.
É curioso como, mesmo antes de adaptar o romance de Chambers, Ozon já se referia a ele – seja na descoberta do amor, no fato de Alex precisar se vestir como mulher numa cena, entre outros momentos. É a prova da atemporalidade do livro, e de como o cineasta sempre circula seus temas caros, com maior ou menor sucesso. Em Verão de 85, certamente, com muita segurança e energia num dos melhores momentos de sua carreira recente.