15/01/2025
Drama

Spencer

Uma estranha no ninho na família real, Diana Spencer vive uma crise em seu casamento com o príncipe Charles e avalia a decisão de mudar sua vida drasticamente.

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 Em Spencer, a exemplo do que fizera magistralmente em Jackie (2016), o diretor chileno Pablo Larraín exercita mais uma vez seu manejo singular da cinebiografia. Desta forma, imaginando o que uma personagem poderia ter feito, consegue o mérito de iluminá-la - mesmo que os fatos reais não tenham sido ipsis literis os que se vê na tela. Mas, quando acaba o filme, a sensação é de que tudo poderia ter sido exatamente assim. Ou quase isso.
 
Escolhendo como título do filme o nome de família da princesa Diana, o diretor tem em sua intérprete, Kristen Stewart, seu melhor trunfo. Há muito descolada de sua famosíssima personagem adolescente, a Belle de Crepúsculo, a jovem Kristen tem demonstrado maturidade e mesmo ousadia em suas escolhas de papeis. Um deles, que de certa maneira lhe dá uma rota aqui, foi o de Jean Seberg, a cativante intérprete de Acossado, de Jean-Luc Godard, cuja fragilidade e emoção à flor da pele Kristen encarnou com tanta propriedade em Seberg Contra Todos (2019) - infelizmente, naquele caso, num filme que não fez toda a justiça nem a ela nem à personagem. 
 
Desta vez, é o contrário. Spencer é um trabalho refinado e meticuloso, nas mãos de um diretor tão atento aos detalhes de figurino, cenários e reconstituição de época que são imprescindíveis à história quanto às emoções em guerra do ambiente, naquele que foi o último natal de Diana na família real antes do divórcio do príncipe Charles (Jack Farthing). 
Roteirista de filmes como Coisas Belas e Sujas, de Stephen Frears, Senhores do Crime, de David Cronenberg, e da série Peaky Blinders, Steven Knight fornece aqui material seguro para que Larraín exerça seu estilo ao mesmo tempo intenso e contido, preciso para retratar implosões de alma, como é o cerne da personalidade de Diana.
 
O filme permite a Kristen Stewart viver o carrossel de ideias, sensações e emoções de uma mulher em franco conflito com um ambiente sufocante, rebelando-se contra os limites com que a todo momento as convenções da família real tentam cerceá-la. Ela desafia sem cessar ser encerrada nessa gaiola de aparências e hipocrisia. Para começar, chegando atrasada para o almoço de Natal, sozinha, dispensando seguranças, dirigindo seu próprio carro.
 
As situações imaginadas pelo roteiro garantem que se possa assistir Diana sendo, vivendo, ainda que nem sempre falando. Contando com a interpretação interiorizada de Kristen, pode-se compartilhar sua resistência à inexorabilidade e a rigidez de rituais, alguns bizarros, como pesar os participantes do Natal real antes e depois das festividades. Neste sentido, será seu vigia implacável o major Alistair Gregory, vivido por um Timothy Spall nunca menos do que perfeito. 
 
Algumas situações iluminam a humanidade de Diana, a maior delas, sua relação afetuosa com seus filhos, William (Jack Nielen) e Harry (Freddie Spry), que transborda em momentos calorosos, em brincadeiras e também algumas contradições, dado o estado emocional instável da princesa naquele momento. Uma sequência emblemática: a reação de Diana quando levam seus meninos para uma caçada, uma metáfora eloquente do próprio espírito do enredo, magnificamente filmada e montada, mostrando a elaboração do trabalho da diretora de fotografia francesa Claire Mathon e do montador chileno Sebastián Sepúlveda, um habitual colaborador de Larraín. 
 
Um contraponto eficiente está na rara relação de sororidade entre Diana e uma camareira, Maggie (Sally Hawkins), a única pessoa de seu entorno capaz de proporcionar-lhe algum conforto e solidariedade - o que não escapa, no entanto, à vigilância da camarilha dos empregados do palácio. 
 
A extrema solidão de Diana nesse contexto vibra dolorosamente em seus diálogos com o marido, em que se evidencia o gelado estranhamento de um casal a quem se pedia somente o cumprimento dos protocolos sociais, mas nada tinha de íntimo ou pessoal.
 
Não foi nenhuma surpresa que Kristen, já premiada por este papel por inúmeras associações de críticos, tenha sido indicada ao Oscar de melhor atriz. Sua caracterização sensível desta mulher aprisionada pela própria fama é uma das mais sinceras e viscerais a que esta personagem poderia almejar. A atriz amadurece a olhos vistos.  
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