Talvez Zazie no Metrô, o terceiro filme de Louis Malle, feito depois de Ascensor para o Cadafalso e Os Amantes, tenha envelhecido. Revistas hoje, mais de 40 anos depois, as estripulias da menina Zazie (Catherine Demongeot) numa Paris caótica, durante uma greve do metrô, podem parecer datadas e muito infantis. Mas, em 1960, em plena Nouvelle Vague, o terceiro filme de Malle, inspirado no romance homônimo de Raymond Queneau, significou uma guinada radical no estilo do diretor e uma subversão à linguagem e aos procedimentos narrativos a que todos estavam acostumados. Zazie mistura recursos de pastelão, comédia burlesca e desenho animado, num gênero que muito tempo mais tarde inspiraria o diretor Richard Lester. Hoje, ainda é um dos filmes mais vistos na videoteca pública de Paris, comprovando o carinho da cidade com sua personagem.
Zazie é uma menina dentuça de 10 anos, espécie de Alice no País das Maravilhas ou de coelho Pernalonga, transitando por um mundo anárquico mas que funciona com muita lógica diante de seus olhos curiosos e até perversos. Ela é questionadora, não gosta de ouvir não como resposta e inferniza a vida das pessoas que estão ao seu lado querendo fazer tudo a seu modo. Louis Malle a definiu, em entrevista ao Le Monde, no lançamento do filme, como uma espécie de anjo que chegou para anunciar a destruição da Babilônia. "Eu quis mostrar uma imagem terrível da vida nas cidades modernas", explicou o diretor. "Eu adoraria que esse filme, dito cômico, transmitisse a idéia de como é difícil ser um ser humano numa cidade ocidental em 1960".
A saga de Zazie começa num final de semana quando ela é trazida pela mãe a Paris para ficar na companhia do tio Gabriel (Philippe Noiret), enquanto ela se diverte com o novo amante. A única preocupação da menina é poder finalmente passear de metrô. Seus olhos brilham ao vislumbrar a porta de uma estação. Mas, para sua infelicidade, os trens estão parados por causa de uma greve. O tio a leva para passear de táxi e lhe mostra algumas atrações turísticas da cidade, mas nada é capaz de melhorar o ânimo da garota. Ela quer conhecer Paris por suas entranhas.
Zazie fica hospedada no apartamento do tio, casado com a bela Albertine (Carla Marlier), situado na parte superior de um bar. Ao chegar, a menina escandaliza o senhorio, com os palavrões que despeja com naturalidade infantil. Gabriel trabalha num cabaré e faz apresentações travestido com roupas femininas, o que levanta dúvidas sobre sua masculinidade. A própria Zazie interroga o tio depois de ouvir insinuações a seu respeito. O que mais interessa à menina é saber o significado da palavra homossexual.
Irrequieta, ela não demora em sair do apartamento e ganhar as ruas, em busca de uma estação do metrô. No caminho encontra um homem que se diz policial e o segue até um café, onde conta a história do assassinato do pai pela própria mãe nos mínimos detalhes, enquanto come mariscos com batatas fritas. Mas, também entediada com a presença do homem, foge de seu alcance, numa corrida digna de desenho animado.
A preocupação de Louis Malle com a insuportável vida na cidade grande fica evidente quando tio Gabriel e Zazie iniciam um passeio pela Paris paralisada pela greve do metrô. Congestionamentos dignos de São Paulo são enfrentados com um humor anárquico e completamente destrambelhado. O respeito e a cumplicidade do diretor com a criança preparam o caminho para projetos futuros que voltariam a ter personagens infantis. Mas não é mais a Zazie guerrilheira de 1960 que retornará, e sim crianças confrontadas com situações extremas, como o adolescente atraído sexualmente pela mãe, em O Sopro no Coração, e a menina prostituta em Pretty Baby.