Diretor do festejado As Duas Irenes (2017), Fábio Meira confirmou em seu segundo longa, Tia Virgínia, o estilo intimista, centrado em histórias familiares, com personagens, situações e diálogos muito bem-elaborados, num cinema que manifesta uma clara ligação com o público.
É fácil ver o potencial de conexão da platéia com esta história, protagonizada por três irmãs, Virgínia (Vera Holtz, soberba e vencedora do prêmio de melhor atriz em Gramado), Vanda (Arlete Salles) e Valquíria (Louise Cardoso), que desenterram suas mágoas de toda a vida num dia de Natal. Virgínia é a irmã que foi convencida pelas outras duas a renunciar a tudo o mais para cuidar da mãe inválida (Vera Valdez, numa interpretação muda mas altamente expressiva nos olhares, que lhe valeu uma menção honrosa especial em Gramado).
Decorrente disso, há um mar de frustrações por parte de Virgínia, que são expostas no reencontro familiar, em que advém cobranças e confrontos que põem a nu o quanto tantas palavras vieram sendo sufocadas ao longo dos anos.
O clima claustrofóbico é reforçado pela filmagem restrita a essa casa familiar, cenário quase único, em que as irmãs se degladiam, num crescendo de emoções que desencadeiam tensões cada vez mais explícitas, em que participam também os sobrinhos (Iuri Saraiva e Daniela Fontan) e o marido de Vanda (Antônio Pitanga).
As referências teatrais assumidas pelo diretor são claras, a partir de A Casa de Bernarda Alba, de García Lorca, mencionada explicitamente numa cena, sem esquecer de Anton Tchecov e As Três Irmãs e O Jardim das Cerejeiras. Cinematograficamente, não faltam menções a Ingmar Bergman.
Mas as maiores referências são mesmo sobre sua própria família de Meira. O diretor contou em Gramado que tem uma tia parecida com Virgínia, que no caso se chama Arlete, e que serviu de inspiração direta para a protagonista vivida por Vera Holtz. Acentuando esse parentesco com a própria história pessoal, o diretor filmou em vídeo suas próprias tias lendo o roteiro do filme, material que foi dado às atrizes e serviu de ponto de partida para a construção das personagens.
Em todo caso, Tia Virgínia parece ser aquele tipo de “cinema argentino” que parte do público tanto cobra aos realizadores brasileiros, ou seja, um tipo de história familiar que tem personagens com a nossa cara, dramaticidade e em que o humor nunca falta. As interpretações, muito precisas, dão conta do que é preciso para compor um filme que é capaz de envolver mesmo quando atinge notas altas e dissonantes da aparência inicial de harmonia familiar. Por trás dessa máscara, há sangue, suor, lágrimas e drama do melhor.