24/04/2025

Um camaleão chega por acaso a uma pequena cidade do oeste. Acaba nomeado xerife, por conta de suas histórias fantasiosas. Quando assume o posto, descobre que há um problema envolvendo a falta de água.

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Jesse James, Billy the Kid, Buffalo Bill, Butch Cassidy… a lista de lendas do Velho Oeste é grande. Rango, protagonista desta animação  – embora ele não seja, como os outros, um fora-da-lei. Na verdade, o camaleão é um ser estranho, nem bandido, nem mocinho, carrega em si uma ambiguidade típica daqueles capazes de se transformar conforme a necessidade.
 
Quando vemos o protagonista pela primeira vez, ele ensaia uma peça da qual participam uma boneca sem cabeça e um peixe de plástico. Quando o aquário onde estão todos cai do carro, se quebra e liberta Rango no meio do deserto, o camaleão precisa se reinventar – ou melhor, descobrir, quem realmente é. No filme, dirigido por Gore Verbinski (da série Piratas do Caribe), que estreia em cópias dubladas e legendadas, seria possível substituir os animais, que interpretam os personagens, por atores de verdade, sem qualquer perda para a história. James Stewart daria um Rango melhor que John Wayne, diga-se de passagem.
 
Rango – cujo nome vem da palavra ‘durango’, e não da gíria para refeição – chega a uma pequena cidade chamada Poeira, que vive assombrada pelo fantasma da seca – tudo por conta de um prefeito que domina o abastecimento de água e com isso se mantém no poder há anos . Esta mera semelhança com a crise no Oriente pode ser acidental, mas, ainda assim, benvinda. Os animais depositam sua água num banco – ou seja, o líquido é uma metáfora para o dinheiro. Quando sabem da escassez, querem sacar todas as suas reservas, mas não conseguem, claro, porque não há água suficiente.
 
Nesse meio tempo, o protagonista, medroso e falastrão, conseguiu, pelas mãos do prefeito-ditador, o posto de xerife do local, ganhando a admiração e confiança da população, que inclui baratas e toupeiras, entre outros seres. Falta apenas o amor de Feijão, a donzela nada desprotegida, dona de um sotaque caipira e muita vontade de salvar as terras de seu pai, que morreu.
 
Feijão é também uma personagem que se alinha em outra tradição cinematográfica: a órfã corajosa – entrando ao lado das recentes heroínas na mesma categoria de Inverno da Alma e Bravura Indômita. Sua aversão inicial a Rango, claro, vai se transformando aos poucos, mas ela continua caipira e durona até o final.
 
A trama de Rango, assinada por John Logan (Gladiador, O último samurai), homenageia os antigos faroestes, com seus pistoleiros solitários, cidades empoeiradas e a luta de um homem contra a corrupção do poder e da moral. Uma banda de corujas violeiras mexicanas funciona quase como um coro das tragédias gregas – comentando a ação e anunciando o possível destino do protagonista. Assim, ao mesmo tempo em que assume os clichês do gênero, o filme os subverte.
 
O que iluminará Rango e o fará compreender o seu papel na pequena cidade é o verdadeiro espírito do oeste – representado por um sujeito à la Clint Eastwood, com cara de poucos amigos, alguma amargura e muita sabedoria adquirida pela vida.
 
A produção caracterizas-se por uma atenção especial para detalhes, tanto dos cenários, quanto dos personagens. Estes, aliás, não se curvam à ditadura do cinema infantil, que em geral pede criaturas fofinhas e engraçadinhas. Em Rango, a bicharada é estranha, chega a ser feia mesmo, e não desperta simpatia num primeiro contato. Mas, com o bom humor e diálogos certeiros, eles ganham o público.
 
E como diz um personagem em um clássico do gênero, “O homem que matou o facínora”: “Se a lenda é maior do que a verdade, imprima-se a lenda”. Mas a verdade é que Rango entra para a história do velho oeste como uma lenda – estranha, é certo, mas, ainda assim, uma lenda.
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