24/04/2025

Depois de ser libertado por um caçador de recompensas que precisa de sua ajuda, o escravo Django junta-se a ele para tentar recuperar sua mulher, Broomhilda - que foi vendida a um dos fazendeiros mais cruéis do Mississippi, Calvin Candie. Na Netflix.

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A piada começa no batismo do protagonista – parece altamente improvável que um escravo negro na América do século XIX se chamasse “Django”, nome que batiza heróis dos faroestes-espaguete que, entre vários outros, foram ingredientes básicos da eclética formação do cineasta norte-americano Quentin Tarantino.
 
Nem pela alta dose de humor – sanguinolento, como é o seu estilo – que pontua toda a trajetória do filme, Django Livre abandona por nenhum momento uma postura crítica à escravidão, pano de fundo de uma história que rendeu polêmicas, por exemplo, com o renomado diretor negro norte-americano Spike Lee – que afirmou que não verá o filme, pelo entendimento de que não trata o tema com o devido respeito.
 
Quem for assistir Django Livre de peito aberto verá que qualquer um pode até discordar dos exageros de Tarantino, mas não encontrará, a rigor, motivos para duvidar de sua ética. O filme é o mais puro delírio tarantinesco, abordando a época da escravidão, no sul dos EUA, fazendo dela o cenário de mais uma fantasia de vingança dos oprimidos – como fez em com as mulheres (Uma Thurman) em Kill Bill e os judeus em Bastardos Inglórios.
 
Vencedor de dois Oscars, roteiro original e ator coadjuvante (o segundo de Christoph Waltz), Django Livre se inscreve também no que parece, nas indicações da Academia de Ciências e Artes Cinematográficas de Hollywood em 2013, uma procura de identidade dos EUA. No caso de Django Livre, e também de Lincoln, de Steven Spielberg, e até Argo, de Ben Affleck, olhando para o passado da nação.
 
A diferença é que Tarantino, fale do que fale em seus filmes, sempre optará pelo discurso do entretenimento, fartamente encharcado de ironia e humor negro. Assim, ele começa sua narrativa a partir do dr. King Schultz (Christoph Waltz), dublê de dentista e na prática caçador de recompensas que cruza o caminho do escravo Django (Jamie Foxx).
 
Schultz quer comprar Django de seus novos donos, porque ele é um dos poucos a conhecer a fisionomia de um trio criminoso que tem sua cabeça a prêmio. A negociação pela compra vai mal e acaba com mortos e feridos pelo chão, mas também com alguns escravos libertos sem esperar.
 
Schultz e Django formam, então, a dupla que vai chocar as fazendas sulistas quando os seus proprietários racistas virem um negro não só vestido na maior estica, dentro de um figurino bastante colorido, como montado a cavalo, como homem livre.
 
Django mostra tanto seu valor como auxiliar do caçador de recompensas que Schultz topa ajudá-lo na missão de sua vida – reencontrar sua mulher, Broomhilda (Kerry Washington), que foi vendida a uma enorme fazenda distante, pertencente ao perverso Calvin Candie (Leonardo DiCaprio).
 
DiCaprio está ótimo na pele de um fazendeiro racista perverso, de barbicha, cavanhaque e colete, que se deleita em organizar lutas mortais entre escravos que, como as dos antigos gladiadores, devem terminar com a morte de um dos oponentes. Para se aproximar dele, a dupla de caçadores de recompensas oferece uma alta soma para comprar um de seus lutadores, tudo como pretexto para, na verdade, negociar a liberdade de Broomhilda.
 
Tudo seria muito tranquilo se Candie não tivesse atrás de si um escravo velho, esperto e puxa-saco, Stephen (Samuel L. Jackson). Por causa dele, muito sangue há de rolar e a coisa vai ficar feia para Django e Schultz.
 
Fiel à sua tradição, Tarantino também garante a renovação da imagem de alguns atores veteranos, caso de Don Johnson (Miami Vice) na pele do “Paizão”, rico proprietário rural integrante da Ku Klux Klan – organização que é ridicularizada como nunca numa antológica sequência envolvendo a confecção de seus capuzes. Até Tarantino faz uma ponta, em outra cena altamente bem-humorada, envolvendo dinamite.
 
Evidentemente, ninguém vai assistir a Django Livre como se visse um documentário ou lesse um livro de História, assim como acontecia com Bastardos Inglórios. O diretor procura o entretenimento, mas não resta dúvida de que tem um cérebro antenado. Até porque ele nunca minimiza os terríveis sofrimentos impostos aos escravos por senhores que os consideravam, legalmente, sua propriedade e sequer admitiam sua condição humana.
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