Em 1943, nas colinas do Piemonte, Milton, um membro da resistência antifascista, escapa com um amigo. Encontrando-se diante de uma casa que foi importante no seu passado, tem uma conversa com a empregada. O que desencadeia uma dúvida feroz no seu espírito envolvendo Fulvia, a dona da casa, e seu amigo Giorgio, também um soldado nesta guerra.
- Por Neusa Barbosa
- 10/09/2018
- Tempo de leitura 3 minutos
Último filme que teve uma parceria – ainda que apenas no argumento – dos irmãos Paolo e Vittorio Taviani, o drama histórico Uma questão pessoal volta a um território que foi sempre muito caro aos celebrados cineastas italianos, o da história, do antifascismo e da literatura. Vittorio, o mais velho dos irmãos, morreu em abril de 2018, aos 88 anos. Paolo, de 86, assinou sozinho como diretor deste filme (a última direção em conjunto da dupla foi Maravilhoso Bocaccio (2015).
Baseado em romance de Beppe Fenoglio, o filme é ambientado em 1943, durante a II Guerra Mundial. Milton (Luca Marinelli) é um jovem militante da resistência italiana que se encontra nas colinas do Piemonte. Ali, no meio da bruma, descobre-se por acaso diante de uma grande casa, que tem um lugar especial em seu passado e memória afetiva. Ali passou vários verões com seus inseparáveis amigos Giorgio (Lorenzo Richelmy) e Fulvia (Valentina Bellè), a dona da casa.
Objeto do interesse romântico dos dois, Fulvia joga seu charme para ambos, ciente das diferenças de temperamento. Giorgio é mais ousado e gosta de dançar. Milton, ligado a literatura, tímido e contido, desfia sua paixão em cartas que ela estimula.
Uma conversa com a empregada da casa, a única que ficou ali durante estes tempos de guerra, acende uma dúvida no espírito de Milton – Fulvia e Giorgio tiveram um romance ? Ainda que suas tarefas como partigiano não permitam distrações, num território coalhado de fascistas fortemente armados, Milton perde o foco. E consegue uma licença para procurar pelo amigo, que também está engajado na luta contra Mussollini.
A fina ourivesaria de roteiro e direção constrói-se em torno desta atormentada busca, que só um olhar mais apressado pode considerar fútil. Tanto quanto o que se joga nos campos de batalha, nunca focalizados diretamente aqui, o dilema interior de Milton é capaz de dilacerar a consciência e os sentimentos. Ainda mais depois que um incidente o coloca diante de escolhas que podem decidir a vida e a morte do amigo.
O ritmo da história flui ao sabor desta angustiada caminhada do protagonista por montanhas e vales, onde cada pedra pode ocultar um inimigo disposto a matar. Vários outros incidentes permitem um retrato cristalino dos dramas cotidianos destes tempos em que se matam meninos e as traições envenenam o cotidiano. Por tudo isso, há o cansaço da guerra, que suspende a vida cotidiana, coloca antigos amigos de lados opostos e compromete o futuro. Há famílias separadas, histórias destroçadas pelas incertezas do momento. Tudo isso se soma ao painel de emoções discretas, porém intensas, semeadas cuidadosamente ao longo do percurso atormentado de Milton – que, aliás, trata-se de um pseudônimo de origem literária.
Por ser uma história de época, Uma questão pessoal tem um toque de nostalgia que Paolo Taviani houve por bem assumir, mantendo seu tom sob controle. Isto permite que as situações evoluam de modo a expor a eternidade de certas questões íntimas, como a do filme – e nisso reside tanto sua universalidade quanto dramática ambiguidade.