25/04/2025

Em Donbass, leste da Ucrânia, região disputada por uma guerra entre o exército nacionalista local e separatistas pró-russos, a realidade atinge as raias do absurdo. Os habitantes civis são confrontados por necessidades materiais, ameaças, chantagem e extorsão.

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Desde sua primeira sequência, Donbass remete à discussão sobre aparência e realidade, registro ou reencenação, colocando em primeiro plano o tema da representação, crucial no cinema do diretor bielorrusso-ucraniano Sergei Loznitsa. Donbass venceu o prêmio de melhor direção na mostra paralela Un Certain Regard de Cannes 2018, na qual foi o filme de abertura.
 
Emprestando seu nome da região do leste da Ucrânia há quatro anos disputada pelo exército nacionalista ucraniano e separatistas pró-russos, ambos secundados por várias milícias e gangues, o filme distribui em 13 segmentos situações sempre a um passo do surreal. Exposta aos abusos destes grupos, a população civil é obrigada a negociar praticamente tudo.
 
Situações emblemáticas desta emergência permanente são vividas pelos passageiros de um ônibus, que atravessa diversos checkpoints, cada um num território controlado por algum dos lados em guerra. Os separatistas que entram no ônibus exigem alimentos dos que ali viajam. Na outra parada, militares fazem descer todos os homens e os humilham e intimidam por não estarem lutando. A sensação de que o menor gesto pode provocar a morte de alguém é constante.
 
O clima de iminente perigo percorre todos os episódios do filme, que se interligam por estarem notoriamente no mesmo tempo e lugar, quando poderes corruptos e violência substituíram qualquer ordem estabelecida, de valores democraticamente compartilhados. Numa maternidade, um dirigente fardado que visa pôr fim a uma greve dos funcionários mostra-lhes grande quantidade de alimentos e remédios que reivindicavam – apenas para, depois, dispor deles de forma viciosa. Um homem, chamado pelas autoridades de plantão por terem encontrado seu carro roubado, vê-se ameaçado para assinar um termo confiando-o aos poderes separatistas, que o mantêm prisioneiro até que consiga, por telefone, que amigos ou parentes disponibilizem dinheiro para seus captores – e ele fica numa sala onde diversos outros reféns fazem exatamente o mesmo.
 
A sequência mais debochada mostra um casamento de um casal de meia-idade, que doravante se chamarão sr. e sra. Ovo Frito, numa cerimônia num edifício público à qual acorreram diversos homens de uniforme – a ordem aqui, seja de qual lado se estiver, é sempre armada.  
 
A miséria humana e moral é ilustrada por uma visita a um abrigo subterrâneo, onde velhos, mulheres e crianças se amontoam em condições deploráveis. A tensão cresce quando dois soldados levam um velho prisioneiro, capturado do lado inimigo, para ser exposto numa via pública a desprezo, esculachos e, finalmente, a uma tentativa de linchamento que não se sabe se será consumado, mas chega bem perto.
 
O que o filme de Loznitsa, afinal, retrata, é uma viagem ao absurdo e que, no entanto, não nasceu de sua imaginação; baseou-se em episódios reais. A sequência inicial do filme, que retorna ao seu final, fecha esta espécie de círculo infernal sobre uma terra da qual parecem ter partido toda tentativa de fazer sentido, toda procura de harmonia. Por todas as sugestões que aponta, um material digno de reflexão em tempos em que desvairados flertam com o fascismo.
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