14/12/2024

Depois das manifestações de 2013, movimentos libertários foram dispersados, seus integrantes presos ou desaparecidos, particularmente, mulheres. Poucos anos depois, Cássia e Janaína procuram encontrar as pistas das desaoarecidas e reorganizar a resistência a um governo autoritário e teocrático.

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Os temas  de controle social e resistência feminina percorrem as veias de Tremor Iê, dirigido pela jovem dupla Elena Meirelles e Lívia de Paiva a partir de um enredo que foi uma criação coletiva entre as cineastas e suas atrizes. Em clima de sutil ficção científica, acirrada por sua inegável proximidade com o cotidiano contemporâneo, o filme retrata tempos sobrepostos. Não há uma linearidade estrita para compor situações, apresentar personagens ou criar núcleos narrativos muito precisos. Mais precisos são os sentimentos exacerbados de um tempo em que alto-falantes semeiam mensagens de uma falsa paz, remetendo a uma dominação onipresente, por isso, aparentemente invisível.
 
Quem quebra o fio dessa ordem repressiva é, em primeiro lugar, uma mulher de motocicleta, correndo no meio da noite. Ela é Cássia (Deyse Mara), uma das personagens encarregadas de contradizer, com seus relatos de experiências nas mãos da repressão policial, a falsa pacificação social que parece reinar nas ruas desertas.
 
Construindo um longa a partir do parco orçamento de um curta-metragem, as diretoras investem num primado da palavra alternativa ao discurso dominante. Cabe primeiro a Cássia, depois a Janaína (Lila M. Salú), dar a sua versão dos fatos, rasgando o retrato da violência onipresente ao descrever repressores sempre mais dispostos ao uso dos cacetetes e do aprisionamento arbitrário do que a qualquer esboço de diálogo ou negociação, ainda que ostentando o título de “soldados do bem”.
 
As alusões a alguns episódios históricos enraízam o filme na distopia política. Janaína foi presa depois de uma manifestação em 2013 e fugiu da prisão apenas para encontrar o país submetido a uma nova ditadura, agora de um certo Chico Cunha, que está promovendo não só prisões, como desaparecimentos de outras resistentes. Eventos que remetem a uma outra ditadura, a de 1964, cujo símbolo é o mausoléu que abriga os restos mortais de seu primeiro ditador, o marechal Humberto de Alencar Castelo Branco, em Fortaleza, cenário do filme. 
 
O plano das moças de roubar os despojos de Castelo Branco para exigir a libertação de suas companheiras presas é, por isso, revestido de grande caráter simbólico. É como se, apropriando-se de um símbolo inaugural de uma ditadura se pudesse começar a quebrar os muros que uma outra tenta construir.
 
O uso da música é fundamental para constituir atmosferas emocionais contundentes, já a partir do rap inicial que acompanha o trajeto da motociclista, incorporando, ao longo do caminho, também os sons de berimbau e tambores - é parte integrante do filme, aliás, o grupo Tambores de Safo. Os tambores, na história, têm um significado transgressor, já que é o seu som, entre outras expressões, o que os neo-ditadores querem calar, assim como são as mulheres os seus alvos preferenciais. Tremor Iê, portanto, é um grito no feminino e um feminino que afirma a resistência negra e periférica. 

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