24/04/2025

O ano é 2025, e a Ucrânia venceu a guerra contra a Rússia. No entanto, o país está devastado ecológica e emocionalmente. Sem muitas opções, seus habitantes vagam em busca de algum sentido para continuar vivendo.

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Ganhador do prêmio principal na mostra Horizontes, no Festival de Veneza de 2019, e escolhido para representar a Ucrânia no Oscar, Atlantis é um filme duro. Situado no futuro, sua trama se passa em 2025 mas, como toda boa ficção científica, fala sobre os dias de hoje. Escrito, dirigido, fotografado, montado e produzido por  Valentyn Vasyanovych, o longa revela uma visão soturna de um mundo colapsado em vários tipos de apocalipses: social, histórico, cultural, emocional.
 
Sem um personagem central e com uma narrativa fragmentada, Atlantis lembra filmes romenos pela austeridade formal e estética, a crueza nas intenções e na visão de mundo. A câmera sempre parada e, boa parte das vezes, distante da ação da cena, cria uma espécie de incômodo visual que tenta dar conta do mal-estar existencial numa Ucrânia que venceu a guerra contra a Rússia, mas o preço parece ter sido perder sua humanidade.
 
Vasyanovych é cuidadoso na composição dos planos, na construção das imagens. O filme começa em infravermelho, numa cena na qual um homem em tons de laranja cava uma cova, outros se aproximam dele, um é espancado, cai no buraco que começa a ser coberto, e então essa figura não é mais vista. Novamente, ao final, a última cena é também em infravermelho, mas com uma intenção e um efeito bastante diferentes.
 
As cenas que se sucedem, às vezes parecem aleatórias, mas compõem um quadro de estranhamento e compreensão do presente disfuncional que o pais enfrenta. Dois soldados disparam tiros contra alvos de metal de tamanho humano, o som do ricochete é angustiante. Numa fábrica, um deles comete suicídio de maneira impressionante. No mesmo lugar, mais tarde, uma cabeça gigante, numa tela à la o Grande Irmão, anuncia em inglês, enquanto uma mulher traduz, que o local será fechado e uma nova tecnologia será trazida à Ucrânia.
 
As cenas mais exasperantes – fora o rápido momento do suicídio – são duas (uma longa, outra nem tanto), em que corpos mumificados são examinados por um legista. Vasyanovych as constrói sem pressa e com riqueza de detalhes. Não é um exibicionismo ou crueldade gratuita, mas sim uma espécie de representação do desconforto de toda uma nação diante da destruição. Uma personagem explica que esse procedimento é uma forma de trazer conforto aos parentes – são corpos de soldados – que não têm notícias de seus filhos, maridos, pais, e só assim completar a guerra. Será que depois disso o país encontrará uma maneira de seguir em frente?
 
Vasyanovych filma tudo – das cenas menos duras ao exame dos cadáveres – com o mesmo distanciamento e sem envolvimento emocional. É uma escolha ousada da qual ele não abre mão em momento algum, e traduz muito bem em imagens o mundo colapsado à beira do fim. Somos informados, num diálogo, de que tudo foi tão destruído que nem em um século a natureza conseguirá ser descontaminada e voltar a ser segura para humanos. Mas a bela e estranha (como todas) imagem final pode soar como uma nota de esperança – ou não.  
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