O norte-americano James Ivory afirmou-se como um dos diretores mais refinados nas adaptações literárias, retratos de época e condução de elencos renomados especialmente a partir do drama Luxúria, com o qual concorreu à Palma de Ouro em Cannes 1981 - festival de onde sairia consagrada naquele ano Isabelle Adjani com o prémio de melhor atriz, encabeçando o elenco deste filme e também do inquietante Possessão, do polonês Andrzej Zulawski.
O roteiro, assinado por Ivory e sua habitual colaboradora, Ruth Prawer Jhabvala, parte do romance da escritora Jean Rhys, assumidamente de fundo autobiográfico. Ambientado na Paris inebriante de 1927, o drama mergulha na sufocante relação entre um casal de ricos expatriados ingleses, H.J. (Alan Bates) e Lois Heidler (Maggie Smith), que acolhem em sua casa Marya/Mado (Adjani), jovem esposa de um polonês negociante de arte, Stephan Zelli (Anthony Higgins), que acaba de ser preso por comerciar uma peça roubada.
Como Stephan passa considerável tempo da narrativa na prisão, este será mais um triângulo do que de um quarteto - como descreve o título original, Quartet - em que Marya terá exposta até o limite a fragilidade de sua posição. Estrangeira, ela não pode trabalhar, dependendo economicamente dos Heidler, que se apossam de sua vida, manipulando sua sensibilidade dentro de um arranjo predeterminado e doentio. H.J. é contumaz na prática de envolver-se com jovens frágeis, como Marya, mantendo com elas relacionamentos tolerados por sua mulher artista, que aceita que se hospedem em sua casa e chega a usá-las como modelos de seus quadros.
Cheio de nuances, o jogo de poder psicológico dentro do casamento dos Heidler é, de longe, mais intrigante do que o tom monocórdico do desespero crescente de Marya, presa numa passividade e imobilismo no limite do insuportável. Indescritivelmente bela, Marya não encontra opções para sair desta teia em que sua beleza a torna vítima das manobras dos outros, sem esperança mesmo de que alguma suposta paixão a liberte.
O jogo entre os atores é uma das mais requintadas mostras do talento do diretor. Fora o duelo magnífico dos talentos da dupla Bates e Smith, Ivory consegue jogar luz em personagens secundários, como miss Nicholson (Bernice Steger), uma amiga dos Heidler que funciona como uma espécie de observadora privilegiada do intoxicante relacionamento do casal - e tem, com Marya, uma sequência marcante, quando as duas saem a passeio por um zoológico.
Como sempre na obra de Ivory, não há um detalhe, nos cenários, figurinos e objetos de cena, que escape do mais meticuloso capricho e controle, refletindo um retrato de época empenhado, nos mínimos detalhes. Nada disso é luxo ou vaidade e sim um esmero profissional que permite a quem assiste sentir-se realmente transportado aos “Anos Loucos”, como foram chamados os anos 1920 e que estes personagens parecem traduzir com toda intensidade.