08/02/2025
Filme de época Fantasia Drama

O Meu Século XX

Nascidas no final do século XIX, as gêmeas Lili e Dóra são separadas, adotadas por famílias diferentes. Lili cresce mais pobre e vai ser influenciada pelos movimentos feminista e anarquista. Dóra tornou-se uma cortesã espertalhona, colhendo vantagens da aristocracia decadente do Império Austro-Húngaro. Em breve, seus caminhos se aproximarão.

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Vencedora do Urso de Ouro 2017 com Corpo e Alma, a diretora húngara Ildikó Enyedi estreou com muita originalidade e consciência estética com O meu século 20 - que ganhou o prêmio Caméra D’Or no Festival de Cannes 1989.
 
Com muita personalidade e um bocado de ironia, Ildikó enfeixa em sua história, também um roteiro de sua autoria, uma série de ambiguidades de seu país e da condição feminina, viajando da ciência à fantasia através da trajetória de duas gêmeas, Dóra e Lili, ambas interpretadas pela atriz polonesa Dorota Segda.
 
A viagem começa em New Jersey, 1880, quando Thomas Edison (Peter Andorai) lançava sua mais nova invenção, a lâmpada incandescente.Enquanto isso, em Budapeste, uma pobre mulher (também Dorota Segda) dava à luz a duas meninas. Poucos anos depois, Dóra e Lili, órfãs, vendiam fósforos nas ruas cobertas de neve da cidade. 
 
Adotadas por dois homens diferentes, Dóra e Lili viverão vidas opostas, que se cruzam a bordo do trem Orient Express, na véspera de Ano Novo de 1900. Assídua frequentadora das cabines mais ricas, Dóra tornou-se uma esperta cortesã, capaz de extrair vantagens financeiras do convívio com os velhos membros da aristocracia do Império Austro-Húngaro, que não sabia ainda. mas estava vivendo seus últimos dias. Num vagão da segunda classe, embarca em Viena Lili, que vivera até aqui uma vida mais pobre e está a caminho de participar de um atentado anarquista.
 
A refinada fotografia em preto-e-branco, assinada por Tibor Máthé, traduz o espírito nostálgico de um olhar que flagra contradições e dualidades - como da ciência da lâmpada e da magia das estrelas (que falam com os personagens em alguns momentos); da dupla natureza das gêmeas, uma inocente idealista, outra lasciva e oportunista; e do contraste entre os vícios de uma aristocracia decadente e de uma classe trabalhadora levada a tentar mudar sua sorte com movimentos radicais. 
 
O mais fascinante é como a diretora constrói essa narrativa no fio da navalha de um certo realismo mágico, recorrendo às falas das estrelas e à participação de animais, o burrinho, o cão que escapa do laboratório e o chimpanzé do zoológico. Lembre-se, igualmente, a maneira como Ildikó utilizou os animais no premiado Corpo e Alma, inclusive de uma forma mais contundente. 
 
É digno de nota como Ildikó insere no próprio tecido de suas histórias, tanto neste seu primeiro filme quanto no vencedor de Berlim, uma ligação visceral com o onírico, com uma atmosfera de sonho em que, em última análise, ela planta as raízes de seu cinema intensamente visual, em que muito é dito através dos olhares e expressões de sua protagonista - que, em mais de um momento, remete a uma heroína do cinema mudo. 
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