Um dos primeiros filmes de Tilda Swinton, provavelmente seu primeiro longa como protagonista, Friendship’s Death, do diretor inglês Peter Wollen, é uma pequena jóia. Wollen, para quem não sabe, é um dos autores - não-creditado - do roteiro de nada menos do que do cult Profissão: Repórter (1975), ao lado do diretor Michelangelo Antonioni e de Mark Peploe.
Professor e teórico de cinema com uma tremenda bagagem teórica, Wollen concebeu este inusitado encontro entre uma extraterrestre, Amizade (Tilda) e um jornalista, Sullivan (Bill Paterson), no mais explosivo cenário possível - Amã, na Jordânia, em 1970, quando ardia uma guerra civil envolvendo a OLP e o exército jordaniano.
A alienígena veio parar ali por engano - na verdade, deveria ter aterrissado no MIT (Massachussets Institute of Technology), nos EUA, onde deveria entregar sua mensagem de paz para evitar a autodestruição dos humanos, ela que vem de Procyon, uma galáxia muito distante onde as formas biológicas foram extintas.
Aos 27 anos, Tilda já era uma intérprete capaz de romper qualquer resistência do espectador a enxergá-la como o que quer que fosse. Se ela diz que é uma alienígena, que seja, até porque é absolutamente convincente para o mais cético dos repórteres, que se torna seu interlocutor permanente.
Num filme de baixo orçamento, financiado pelo British Film Institute e com visível empenho vanguardístico, é uma absoluta delícia compartilhar das conversas filosóficas e bem-humoradas entre Amizade e Sullivan, quase sempre num quarto de hotel, o que confere um certo ar teatral. Manifestando um olhar sagaz e uma curiosidade permanente, a extraterrestre ironiza o futebol visto na televisão - não acha graça na bola - e se mostra intrigada com alguns atos cotidianos de Sullivan, como barbear-se. Seu corpo, afinal, é uma simulação. Também se apaixona por objetos, que vai colecionando, e toma as dores da máquina de escrever do jornalista, que massacra ruidosamente suas teclas.
Evidentemente, a realidade turbulenta lá fora eventualmente entra pela porta - até literalmente, com a invasão de guerrilheiros. A própria alienígena, numa visita às ruínas de Jerash, torna-se, inadvertidamente, parte de uma operação com reféns. Mas tudo isso é apenas um pano de fundo para o que realmente interessa, a troca de experiências entre estas duas pessoas de origens tão diferentes e ávidas de curiosidade sobre as respectivas realidades, em diálogos que passam absolutamente por todos os assuntos, em busca de definir as diferenças sobre estar em cada um de seus mundos.
Até por se tratar de um orçamento limitado, é bastante imaginativa a direção de arte, que cria os coloridos objetos estocadores de informação de Amizade, além dos exóticos figurinos que ela enverga - visivelmente se esbaldando na experiência inusitada de ter um corpo. Esta jovem Tilda já era uma absoluta maravilha de se olhar, uma intérprete que moldava a personagem diante de nossos olhos com uma maciez, uma desenvoltura que só cresceu e se aperfeiçoou ao longo do tempo.
Foi o último filme de Wollen, que morreu em 2019, e que aqui conseguiu criar uma mistura bastante peculiar entre ficção científica, filme político e crônica de uma amizade inusitada. Ao final, o filme exala uma ternura que não se consegue explicar, mas está lá.