08/02/2025

A história do declínio da rica família Amberson, que coincide com a industrialização da pequena cidade onde moram. Seus amores e desamores, e a passagem do tempo são retratados nesse filme.

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Como bem se sabe, a versão que existe de Soberba não é aquela que seu roteirista e diretor, Orson Welles, imaginou. Sua visão do filme foi mutilada, inclusive novas cenas foram dirigidas por Fred Fleck e Robert Wise, também montador do filme. Mas será que no fundo isso importa muito? Em certa medida sim, mas este é o filme que temos, e não é pouca coisa. (Alguns cinéfilos otimistas aguardam que uma cópia da versão completa seja encontrada algum dia, havendo uma lenda de que pode estar no Brasil).
 
Soberba, cujo título original traduzido seria algo como “Os Magníficos Ambersons”, é a história de uma família que se confunde com a história de um lugar. É também sobre processos de modernização e industrialização, além de construção de mitos. Baseado no romance homônimo de Booth Tarkington, premiado com o Pulitzer, o filme em si, muitas vezes acaba deixado de lado em favor da longa história envolvendo Welles e a produtora RKO, que cortou cerca de um terço da versão almejada pelo diretor.
 
Os primeiros minutos são marcados por uma narração, do próprio Welles: “O esplendor dos Ambersons começou em 1873. Esse esplendor perdurou por todos os anos nos quais sua pequena vila foi se transformando em cidade.” Poderia ser pura nostalgia a partir daí, uma ode à inocência perdida, a um EUA pré-mítico, quando todos eram mais felizes. Pessoas anônimas funcionam como uma espécie de coro grego, fazendo fofocas sobre a família. Narram-se episódios. Mas, na marca de 9 minutos, o tom muda, anuncia-se um baile e o narrador finaliza: “a última das grandes festas sobre as quais todos comentavam.”
 
Nesse momento, a imagem do filme é escura, e os convidados entram na mansão junto com um forte vento. É o princípio do fim. Welles deixa de lado o passado idílico e mergulha num lado mais perverso e até doentio da nostalgia, na qual os opressores sempre tiram mais e mais vantagens dos oprimidos. O momento histórico é conhecido como a Gilded Age dos EUA, a Era Dourada, na virada do século XIX para o XX. Os personagens devem escolher entre o progresso e conservadorismo. Aqueles que não aceitam olhar para frente, serão esmagados pela marcha da história.
 
Welles destrói qualquer ilusão sobre o passado, deixando em cena o movimento para o futuro que é, ao mesmo tempo, promissor e sufocante. Os ricos Ambersons enfrentarão o declínio e a queda, na medida que sua pequena vila, calma e serena, torna-se uma cidade industrial, com os problemas inerentes ao processo, crime, poluição e barulho constante. O modo de vida é forçado a mudar conforme o modo de produção evolui.
 
Há, inegavelmente, algo de novelesco em Soberba, amores perdidos e reencontrados, dramas familiares, infelicidades e afins, mas que podem ser vistos como meros estratagemas narrativos para um tema mais profundo que interessava a Welles: a modernização capitalista – simbolizada pela ascensão dos automóveis como meio de transporte. Obviamente, o diretor estava fazendo uma crítica a isso, mas, sem olhar para o passado com saudade.
 
A questão é: para onde ir quando o passado é arcaico e a modernidade, opressora? Não há para onde ir. Os amores e desamores da família, sua queda inevitável, a transformação de sua cidadezinha, nada disso parece fruto de uma escolha e, ainda assim, as personagens são obrigadas a conviver com as opções que não escolheram. “Vítimas de Carros Aumentam”, anuncia em manchete um jornal em letras garrafais como um prenúncio do fim do esplendor dos Ambersons.
 
François Truffaut chamou Soberba de “obra-prima mutilada”- mas, é bom notar, ainda assim obra-prima, pois, apesar de tudo o que o filme poderia ter sido, este ainda é um sucessor digno de Cidadão Kane, lançados com apenas um ano de diferença.
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