16/09/2024

Depois do desaparecimento de seu sócio, Keys, o banqueiro suíço Yvan de Wiel viaja até a Argentina da ditadura militar, na companhia de sua mulher, para tentar acalmar os ricos e poderosos com quem faz negócios.

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Exibido pela primeira vez no Brasil na Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, a coprodução entre Suíça, França e Argentina, Azor, é dirigida por Andreas Fontana, um suíço e neto de banqueiros que morou e estudou na Argentina. O longa tem ao centro a tênue relação entre banqueiros e a ditadura na América Latina. A narrativa se constroi de maneira lenta, mas fundada na tensão. Há um quê de Lucrécia Martel aqui – em especial, de O Pântano – no sentido de causar estranhamento.
 
A origem familiar de Fontana, certamente, deu-lhe acesso ao mundo retratado no filme. Além disso, sua experiência na Argentina, onde estudou literatura no período pós-ditadura, também contribui na construção do roteiro, assinado em parceria com o argentino Mariano Llinás. Situado em 1980, bem no meio do período de governo militar, o enredo tem como protagonista um banqueiro suíço, Yvan de Wiel (Fabrizio Rongione), que vem para o país em companhia de sua mulher, Ines (Stéphanie Cléau), para descobrir o que aconteceu com seu sócio, Keys.
 
O desaparecido é uma figura central no filme, pois sua ausência é um fantasma que ronda a todos o tempo todo – é como Harry Lime, em O Terceiro Homem, ou o coronel Kurtz, O coração das trevas /Apocalypse Now. O maior problema é que Keys também deixou negócios pela metade. Yvan tenta fingir que o acontecido não é nada grave, que a visita ao país deve ser rápida, mas os clientes dele não estão nada tranquilos. Inclusive a filha de um deles, uma jovem com aspirações bem transgressoras, desapareceu. Os über-ricos temem que seus bens sejam confiscados. (Curiosamente, um receio que voltou a acontecer quando governos um pouco mais alinhados à esquerda chegaram ao poder, resultando, novamente, numa ascensão da direita.)
 
Para um público latino-americano, que passou por ditaduras, Azor pode não trazer muitas novidades, afinal política, religião e dinheiro sempre andaram bastante juntos nessa região do globo – em outras também, mas de outra maneira. Ainda assim, Fontana investiga seus temas com tanto vigor, sagacidade e verve cinematográfica que sua dissecação dos meandros do poder é repleta de frescor.
 
Não é um filme simples, nem fácil de se ver – seja pelos horrores que retrata, seja pelo tom cerebral que o diretor assume. Mas Azor é cheio de recompensas – especialmente cinematográficas. Com direção de fotografia assinada por Gabriel Sandru, o filme é elegante e quase frio, mas também seria difícil adotar um outro tom para contar essa história. Fontana é elegante na construção das cenas e dos diálogos e, em especial, nos personagens. Yvan e Inés são duas figuras frias, que mantêm a calma e a finesse mesmo com o mundo ruindo ao seu redor. É, certamente, uma distinção de classe que o longa captura muito bem – os donos do dinheiro com a certeza de que nada os atingirá, ao contrário dos amigos argentinos.
 
O romance O Coração das Trevas, de Conrad, é, claramente, uma referência e inspiração aqui. O desaparecimento do sócio levará Yves a caminhos inesperados e à escuridão. É uma jornada impressionante, que Fontana narra sem fazer concessões. Em seu primeiro filme, o diretor já mostra segurança e talento, criando uma atmosfera que transita entre o sonho e o pesadelo. O efeito de Azor dura por muito tempo ainda depois da exibição.
 
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