Joe Gillis é um roteirista que, cheio de dívidas e fracassos, está prestes a abandonar Hollywood e voltar para sua cidade no interior. Até que conhece Norma Desmond, uma antiga estrela do cinema mudo, que não conseguiu mais trabalhar quando os filmes se tornaram sonoros. Ela o contrata para reescrever o roteiro de "Salomé", que seria sua volta triunfante ao cinema.
- Por Alysson Oliveira
- 11/03/2022
- Tempo de leitura 3 minutos
Reinando absoluto como um dos grandes filmes sobre Hollywood há mais de 70 anos, Crepúsculo dos Deuses explora os bastidores de uma indústria, para usar o vocabulário de hoje, tóxica, construída sobre os escombros de suas estrelas, descartadas cada vez mais rapidamente. Billy Wilder, trabalhando com um roteiro escrito por ele, Charles Brackett e D. M. Marshman Jr, destruiu (e destrói) ilusões cinéfilas e planos de carreiras de aspirantes a estrelas em todo o mundo.
Narrado por um defunto, cujo corpo é descoberto na piscina de uma mansão antiga e decadente em Sunset Boulevard, em Los Angeles, o filme tem como protagonista uma “estrela de outrora” do cinema mundo, Norma Desmond, interpretada por Gloria Swanson – cuja carreira tem muitos pontos de contato com a personagem.
O narrador é Joe Gillis (William Holden), um roteirista que não consegue emplacar um sucesso e que, fugindo de cobradores, acaba, por acaso, se escondendo na mansão dela, que o confunde com o agente funerário que viria enterrar seu macaco de estimação, a quem amava como um filho. Ao saber da profissão dele, Norma se interessa pelo rapaz, pois tem um roteiro, que ela mesma escreveu, sobre Salomé. A produção, a ser supostamente dirigida por Cecil B. De Mille, será sua volta triunfal aos filmes que, segundo ela, ficaram pequenos, embora ela continue grande.
Gillis vê nela a chance de ganhar dinheiro e não precisar voltar como um fracassado à sua cidadezinha do interior. Mesmo sabendo que o roteiro dela é péssimo e infilmável, ele aceita reescrevê-lo enquanto Norma está cada vez mais apaixonada por ele.
Alguns dos melhores filmes de Wilder são comédias carregadas de cinismo, mas aqui ele adota outro tom. Por mais que mantenha um humor ácido, especialmente em seus comentários sobre Hollywood, Crepúsculo dos Deuses é um filme extremamente melancólico sobre egos inflados e a passagem do tempo. Mais do que ser incapaz de se adaptar à tecnologia, aos filmes falados, Norma floresceu num ambiente que a adulou o tempo todo, sem notar que sua juventude era um atrativo para os homens que fazem filmes e seu público.
Contando apenas com a companhia de um mordomo, Max (Erich von Stroheim), Norma eventualmente assiste seus antigos filmes como certo fascínio mórbido, reunindo-se com antigos colegas de profissão para jogar cartas – interpretados e interpretadas por antigas estrelas de Hollywood, na mesma condição que ela, como Buster Keaton e Anna Q. Nilsson. É um mundo de faz-de-conta extremamente triste, uma mentira alimentada, em parte, pelo sentimento de culpa do empregado e também pela ilusões que fazem bem a Norma.
A tensão que conduz a narrativa está na construção dos olhares. Embora seja narrado por Gillis que, a cada dia mais despreza Norma (cada vez mais apaixonada por ele), percebe-se que Wilder tem um carinho por essa mulher. Uma das cenas mais bonitas é quando a protagonista vai à Paramount, acreditando que De Mille a chamou para conversar sobre o roteiro que mandou para ele – na verdade, os estúdios querem alugar seu carro. Ao chegar, ela reencontra antigos amigos na área técnica e a admiração de jovens atores e atrizes que a tratam como um ícone. Sentada numa cadeira, ela é especialmente iluminada, ao mesmo tempo que um microfone, seu inimigo mortal, movendo-se numa vara toca a pena de seu chapéu.
Crepúsculo dos Deuses é um filme repleto de pequenos detalhes que fazem a alegria da cinefilia, mas também é, acima de tudo, um melodrama sobre a passagem do tempo, sobre uma mulher que se apaixona por um homem mais jovem, que a explora financeiramente enquanto se envolve com uma mulher mais jovem (Nancy Olson). É também um filme sobre como, aos olhos da esfera do trabalho, as pessoas se tornam obsoletas – nesse sentido, é um filme caro à condição humana no mundo em que vivemos. Extremamente atual, parece dizer a todos nós que devemos estar prontos para nosso close, Mr. De Mille.