16/09/2024
Docudrama

O Rio de Janeiro de Ho Chi Minh

Cozinheiro da Marinha Mercante, o carioca Sebastião Luiz dos Santos teve como aprendiz, num navio francês, um jovem da Indochina, Van Ba - que passaria com ele pelo Rio de Janeiro, nos idos dos anos 1910, e se tornaria o líder da independência vietnamita Ho Chi Minh.

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Revolucionário, poeta e líder político, Ho Chi Minh (1890-1969) correu mundo e tornou-se uma lenda, atuando tanto para a independência de seu país, então Indochina, depois Vietnã, dos colonizadores franceses, e também presidindo o Vietnã do Norte numa guerra contra os EUA em que o país asiático saiu vencedor, reunificando-se num só. 
 
Nessa biografia recheada de aventuras, houve uma passagem por um navio francês, o Latouche Tréville, em 1911, onde o jovem Ho Chi Minh, usando seu nome de nascimento, Van Ba, foi auxiliar de cozinha de um cozinheiro carioca, Sebastião Luiz dos Santos. O encontro rendeu uma amizade e a passagem do oriental pelo Rio de Janeiro, cujos detalhes o docudrama O Rio de Janeiro de Ho Chi Minh, de Claudia Mattos, tenta reconstituir, buscando fatos e recorrendo a reencenações e ficção, sempre que não é possível decidir entre as diferentes versões.
 
A ideia do filme partiu de Luiz Antonio Pilar, ele mesmo diretor de cinema e teatro e neto do cozinheiro Sebastião, também conhecido como “Faca Cega”, devido ao seu exímio manejo das lâminas na cozinha. Pilar, que é filho da atriz Léa Garcia, cresceu ouvindo as histórias do avô sobre sua convivência com Ho Chi Minh, inclusive garantindo ao neto que o famoso nome do líder e seu primeiro contato com o comunismo se deviam a ele. Santos era membro do Partido Comunista, ilegal no Brasil nas primeiras décadas do século XX, quando o indochinês passou pelo Rio de Janeiro - e disso há provas, inclusive fotos.O próprio governo vietnamita pesquisou, há anos, esse período carioca de Ho Chi Minh, que é mencionado inclusive nos mapas de suas andanças no imenso mausoléu dedicado ao líder, em Hanói.
 
Historiadora de formação, Claudia Mattos estreia na direção deste filme híbrido, recorrendo a relatos de Pilar sobre o avô, reconstituindo também uma trajetória que passou pela célebre Revolta da Chibata - da qual Sebastião participou com apenas 18 anos. Além disso, a diretora vale-se de materiais de arquivo e entrevistas no Brasil e no exterior que apontam caminhos que o carioca e o indochinês podem ter seguido, construindo-se uma narrativa que se apóia na melhor verdade possível mas não se esquiva de incorporar algumas possibilidades de ficção. Afinal, há coisas que os dois viveram que só eles mesmos poderiam agora contar, porque não ficaram maiores registros. 
 
De todo modo, é um filme atraente ao resgatar momentos de duas vidas aventurosas e de um encontro inusitado, num Rio de Janeiro em que Ipanema era um bairro de chácaras, o Bondinho acabava de ser inaugurado, em 1912, e muito faltava ainda para a chegada de seu símbolo maior, o Cristo Redentor (só em 1931). Mas já havia os terreiros de umbanda, o samba e o futebol. 
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