19/05/2024
Suspense Drama

Anatomia de uma queda

Vencedor da Palma de Ouro em Cannes 2023 e do Oscar de roteiro original, o drama de Justine Triet tem como protagonista uma escritora (Sandra Hüller) acusada de matar o marido.

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Vencedor da Palma de Ouro em Cannes 2023, a terceira para uma mulher (a francesa Justine Triet), e vencedor do Oscar de roteiro original, este suspense dramático constrói-se a partir das expectativas e falsas pistas lançadas a partir do comportamento de sua esplêndida protagonista - magnificamente interpretada pela atriz alemã Sandra Hüller, que já havia despontado no instigante Toni Erdmann (2016).

Desde o título, a história assume uma vertente policial, sobre a ocorrência ou não de um crime - e a interpretação precisa de Sandra nos carrega de modo a obscurecer o que pode ou não ter acontecido dentro da elegante casa nos Alpes suíços que ela compartilhava com o marido Samuel (Samuel Maleski) e o filho de 11 anos, Daniel (Milo Machado Graner). 

O enredo, também escrito por Triet com o marido, Arthur Harari, se empolga de modo a não esgotar-se no mistério se houve um acidente, suicídio ou um assassinato - o que também é complicado pelo fato de o menino, único que se encontrava nas imediações da casa quando a queda ocorre, é deficiente visual, além de filho do casal. As implicações emocionais são óbvias e o filme as explora seguidamente, também no segmento em que se transforma num drama de tribunal, com tempero francês todo próprio em sua verborragia, desvelando também os mecanismos da burocracia judicial e um viés de machismo infiltrado no tom dos discursos. Este machismo, materializado especialmente nas participações do promotor (Antoine Reinartz) e do psiquiatra do morto (Wajdi Mouawad), é, aliás, outra das vertentes mais instigantes da história. 

Um personagem secundário relevante é Vincent Renzi (Swann Arlaud), advogado de Sandra, que projeta alguma racionalidade nas atitudes mas também está, de algum modo, envolvido em toda a situação, por ser amigo dela.Outro sinal de que a objetividade completa é virtualmente impossível. 

Com bons elementos de drama e de gênero, o filme peca um pouco ao apostar uma dose a mais no melodrama quando aponta a câmera para o menino - o que não deixa de abrir uma brecha para os sentimentos que o acionamento da máquina judicial travou na vida desta mãe e deste filho. Já uma sequência que mostra uma DR do casal se mostra excessiva, especialmente por sua duração, jogando contra o mistério que, afinal, tem sua função em ser protegido para que o intrincado mecanismo da história funcione. De todo modo, é um filme complexo e cheio de camadas em que os espectadores encontrarão muito material para envolver-se.

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