Dirigido pelo veterano Karen Shaknazarov, No submundo de Moscou é um exemplar raro do cinema russo moderno, que se arrisca num gênero não muito comum naquelas plagas: o policial, com um toque aventuresco ao qual não falta uma pitada de comédia e de romance.
Unindo os relatos do jornalista Vladimir Guilyarovsky e O Signo dos Quatro, de Arthur Conan Doyle, o roteiro, co-escrito por Shaknazarov, Elena Podrez e Ekaterina Kochetkova, mergulha nas vielas estreitas do bairro Khitrovka, endereço de todos os malfeitores e vícios da Moscou pré-revolucionária do início do século XX - recriada com grande apuro pelo premiado diretor de arte Serguei Fevralyov a partir dos recursos do centenário estúdio Mosfilm.
Esse ambiente é em tudo estranho ao elegante ator e diretor Konstantin Stanislavski (Konstantin Kryukov), que, em 1902, debate-se com a dificuldade da encenação da peça Ralé, de Maksim Gorki. Perturbado pela falta de autenticidade que sente na própria interpretação de um dos papeis, Stanislavski recorre ao jornalista Vladimir Guilyarovsky (Mikhail Porechenkov), que conhecia como ninguém os meandros e os habitantes de Khitrovka, e este torna-se seu guia no que brevemente se transforma em muito mais do que uma incursão de pesquisa teatral.
Logo na primeira parada, quando Guilai, como era conhecido o jornalista, se dispõe a apresentar-lhe um dos personagens marcantes deste submundo, o sikh Raja (Ayub Tsingiev), os dois o encontram morto. A partir daí, a dupla assume rapidamente o papel de detetives, investigando os meandros do crime, que os leva a conviver de perto tanto com o vaidoso investigador Rudnikov (Evgueny Stychkin) como com a bela Ksenia (Anfisa Chernykh) - uma sensual cantora e ladra que se torna o interesse amoroso de Stanislavski.
Produtor, roteirista e diretor experiente, conhecido no Brasil pelo competente drama de época Anna Karenina - a história de Vronsky (2017), além de diretor do estúdio Mosfilm desde 1998, Shaknazarov conduz com ritmo esta história eventualmente picaresca, distribuindo seus temperos ao longo do caminho, sem pretender mais do que construir com eficiência uma história de entretenimento. Colaboram para isso atores afinados e o impecável desenho de produção, em que figurinos, objetos e cenários desempenham seu papel a contento - não faltou nem mesmo a recriação de um riozinho subterrâneo em estúdio, onde se desenvolve uma climática perseguição, idêntico ao original existente em Khitrovka, o Neglinnaya.
Subliminar à história, está a valorização do imenso tesouro intelectual russo, ao lembrar as figuras de Stanislavski, de Anton Tchecov (interpretado por Ivan Kolesnikov) e do próprio Guilai, um jornalista que produziu textos primorosos sobre a Moscou pré-revolucionária. É mais do que uma justa homenagem torná-lo personagem desta história, que aliás tem um fundo de verdade - Stanislavski realmente recorreu ao jornalista para guiar seus atores do Teatro de Arte de Moscou nos meandros do submundo da capital russa.