05/05/2024
Fantasia

La chimera

Apaixonado por arqueologia, o inglês Arthur radicou-se na Toscana. Neste território repleto de tumbas etruscas, ele acaba fazendo seu ganha-pão do saque de antiguidades que encontra nelas. Num mundo repleto de pessoas exóticas, ele encontra Itália, mãe solteira de duas crianças.

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A atriz brasileira Carol Duarte - intérprete de A Vida Invisível, de Karim Aïnouz, grande vencedor do Un Certain Regard 2019 - é destaque no elenco de La Chimera, falando italiano e no papel de Itália, uma jovem mãe solteira, que esconde suas duas crianças numa grande casa, onde trabalha como empregada e aluna de canto de uma senhora excêntrica, Flora (Isabella Rossellini). 

A história segue o estilo de realismo fantástico que a diretora italiana Alice Rohrwacher imprimiu em todas as suas obras anteriores, como Feliz como Lázaro (2018) e As Maravilhas (2014), desenvolvendo um relato em torno de um jovem inglês, Arthur (Josh O’Connor). Desenraizado de seu país e fascinado por arqueologia, ele acaba obtendo seu sustento do roubo e da venda de objetos tirados das tumbas etruscas abandonadas, que são comuns na Toscana, onde ele passou a viver. 

O toque surreal, que percorre tudo neste roteiro assinado por Alice e Carmela Covino, impregna sobretudo Arthur - que supostamente teria o dom de localizar tesouros enterrados a partir do uso de uma longa e fina haste metálica. De todo modo, este jovem vive numa espécie de fronteira entre o real e o imaginário, entre os vivos e os mortos - sua namorada, Beniamina (Yle Vianello), filha de Flora, desapareceu e pode também ter morrido; e todos os objetos que ele vende provêm de sepulturas.

Um símbolo de que ele, contraditoriamente, é um instrumento de destruição deste mundo antigo sepultado que ele tanto ama está numa bela sequência que mostra uma tumba ainda intocada, ocupada por uma estátua de mármore e afrescos intactos, retratando pássaros e animais, que se dissolvem instantaneamente à entrada da primeira lufada de ar causada pela invasão dos tombaroli - como são chamados ali os saqueadores de tesouros. Uma cena que remete a uma situação semelhante no clássico Roma, de Federico Fellini, que este filme homenageia de outras formas. Como no gosto assumido desta diretora por personagens excêntricos. 

La Chimera destaca-se por uma narrativa original, pontuada por música em torno destes seres perdidos que são Arthur, Itália e seus amigos, e registra, mais uma vez, uma participação especial da irmã da diretora, Alba Rohrwacher, no segmento final - aqui interpretando um papel um pouco fora de seu padrão, como Spartaco, uma receptora de antiguidades um bocado vilã.

Alice é uma diretora sempre muito original, criadora de histórias incomuns, povoadas por personagens raros, como se flutuassem sempre um pouco acima do chão - mas sem que se perca conexão com sua humanidade. No fundo de tudo, sobressai sua solidão e sua procura de encontrar um lugar num mundo inóspito, em que a esquisitice fosse, na verdade, uma forma de recusa a ver-se diluídos nos modelos oferecidos pela sociedade e também uma tênue mas decidida afirmação ao seu direito de existir.

 

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