08/02/2025
Drama

Motel Destino

Heraldo é um jovem em fuga de uma situação de perigo que acha um emprego num motel de beira de estrada, onde será pouco visto. Os donos são o casal Dayana e Elias, em cujo cotidiano Heraldo entrará, formando um triângulo amoroso intenso e causador de muitos outros riscos. No Telecine.

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Este que é o oitavo filme de Karim Aïnouz  - participando pela segunda vez na competição de Cannes (em 2023, foi com a produção inglesa Firebrand) - abre com uma explosão de cores, novamente, uma bem-sucedida parceria com a diretora de fotografia francesa Hélène Louvart, na praia cheia de falésias de Beberibe, a 79 km de Fortaleza. Neste ambiente ensolarado, molda-se a história perigosa de três personagens, Heraldo (Iago Xavier), um jovem pobre e em fuga de criminosos, acolhido no motel que dá nome ao filme, que pertence ao casal Dayana (Nataly Rocha) e Elias (Fábio Assunção).

Nesses corredores do motel, onde se ouve o som do gozo dos clientes e se manifesta o voyeurismo dos patrões, nasce a paixão proibida entre Dayana e Heraldo, temperando uma história noir tropical, embalada por músicas como “Pega o Guanabara”, de Wesley Safadão e Alanzinho Coreano.

Voltando a filmar em sua terra natal depois de 10 anos - a última vez foi Praia do Futuro (2014) -, o diretor cearense delineia uma história em que o crime e as ameaças de morte governam esses destinos, mas não deixa de haver sonho, esperança, paixão. Heraldo, como ele diz num dos melhores diálogos, parece ter um alvo no peito, é um sobrevivente, como todo jovem pobre, não-branco, tentando arrancar seu sustento de uma realidade de oportunidades precárias para sua classe social.

O desamparo desta juventude e a violência contra a mulher, este último assunto retratado na relação abusiva entre o casal Dayana e Elias, são, aliás, dois temas que se entrelaçam no roteiro, assinado pelo diretor, ao lado de Maurício Zacharias e Wislam Esmeraldo.

Numa das melhores interpretações de sua carreira, Fábio Assunção encarna Elias, o dono do motel, que é uma espécie de protótipo do macho branco sudestino, mantendo uma atitude de imposição e preconceito sobre a população local. Além disso, como um ex-policial que se refugia naquele local ermo por alguma razão, ele traz consigo os resquícios de um comportamento autoritário, baseado na força e na violência que transpira sobre tudo.

Para Dayana, que encontra em Heraldo um parceiro não só sexual, como também de sobrevivência de inúmeros abusos, resta encontrar formas sutis de resistir a Elias, embora ela não tenha ainda desenvolvido inteiramente a consciência que lhe daria sua potencialidade de enfrentamento. 

Um grande acerto na direção está em sustentar um clima de tensão nos corredores deste motel que, claustrofobicamente, encerra seus personagens numa espécie de limbo, sem abusar das cenas de violência - que certamente existem onde cabe, mas não se excedem.

O motel, que surgiu nos EUA dos anos 1960 como um lugar de passagem e, no Brasil, tornou-se um local para vivência de aventuras eróticas de curta duração, é o cenário ideal deste romance extremado, carregado de tintas policiais mas também do colorido dos sonhos e da paixão de seres querendo escapar de um labirinto - é isso que são Nataly e Heraldo. 

No filme, Aïnouz dá sequência a uma obra moldada pela tensão da procura dos lugares dos corpos, que começava já em Madame Satã (2003), continuando em O Céu de Suely (2006) e em A Vida Invisível (2019), que abordava justamente sua repressão, e mesmo no britânico Firebrand, que tematizava a degradação do corpo do soberano Henrique VIII (Jude Law) como símbolo da erosão da seu poder. Por isso, trata-se de um cinema muito visceral, de pele e de âmago.

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