Muito mais do que apenas a passagem de 16 anos separam Estômago de sua sequência, Estômago 2: O Poderoso Chef, ambos de Marcos Jorge, que conquistou cinco prêmios no Festival de Gramado 2024: melhor filme para o júri popular, além de melhor ator (dividido entre João Miguel e Nicola Siri), roteiro, direção de arte e trilha sonora.
O cozinheiro Raimundo Nonato, ou Alecrim, personagem defendido por João Miguel, continua no centro da história, ambientada numa prisão, onde ele agora coloca seus dotes culinários a serviço de um outro chefão, Etcétera (Paulo Miklos), em vista de morte do antigo (Babu Santana). A precária e ambígua ordem ali dentro é mantida por um diretor de prisão que faz vista grossa para os privilégios do bandidão em troca de compartilhar dos mesmos quitutes preparados por Alecrim - e o cozinheiro ainda deve fazer as vezes de olheiro do que se passa na prisão.
O jogo de cintura de Alecrim ao transitar entre estas duas autoridades é desafiado pela entrada em cena de um outro poder, este da máfia italiana, que desembarca na prisão na pessoa do Benedetto Caroglio (Nicola Siri) e seus comparsas. Caroglio, por sua vez, não está disposto a alianças com Etcétera, demonstrando que quer o comando da prisão apenas para si. Com a guerra declarada entre os dois belicosos chefões, a paz precária dentro da prisão está por um fio.
Uma diferença importante deste segundo filme em relação ao primeiro é a mais discreta presença de Alecrim, que vira, a certa altura, uma espécie de coadjuvante na guerra entre Etcétera e Caroglio - o que reduz sensivelmente a dose de humor desta história, mais sombria. A história de Caroglio, por sua vez, é resgatada em sucessivos flashbacks, ambientados na Itália, dando conta de como ele se tornou quem é dentro de uma tradicional família mafiosa siciliana.
O roteiro, assinado por Marcos Jorge, Bernardo Rennó e Lusa Silvestre, reveste-se, assim, de um teor policial mais declarado e sombrio em que, a certa altura, se sente falta de uma maior presença de Alecrim e da verve cômica de João Miguel. Por conta disso, fica evidente uma ambição de retratar os meandros da marginalidade e os espaços ambíguos da lei. Como a história acaba em aberto, também se sabe que existe o projeto de um terceiro filme neste universo, em que se exploraria mais a história de Caroglio e a vida de Alecrim depois do cumprimento de sua sentença na prisão. Mas isto ainda não está confirmado.