Concorrente à Palma de Ouro 2023 e ambientado no Senegal, Banel & Adama marca a estreia na direção da roteirista franco-senegalesa Ramata Toulaye Sy (autora do roteiro de Nossa Senhora do Nilo, de Atiq Rahimi). Ela também assina o script.
Apoiado na belíssima fotografia de Amine Berrada e com um elenco de atores não-profissionais, o filme retrata a história do casal Banel (Khady Mane) e Adama (Mamadou Diallo), que enfrenta problemas em sua pequena comunidade rural por começar a recusar certos ditames tradicionais - Banel não quer ter filhos, Adama não aceita tornar-se chefe da aldeia, apesar de a isso ser destinado por sua ascendência.
Embalados pelas belas imagens desse jovem casal e de uma natureza que os coloca como numa bolha fora do tempo, aos poucos descobrimos o tamanho do impacto da rejeição de Banel e Adama de preencher papéis tradicionais nunca contestados. Adama deve ser chefe da aldeia por ser irmão do antigo chefe, Yero, que morreu e era marido de Banel. Adama e Banel se amavam desde a adolescência, mas tiveram que abrir mão disso porque Yero tinha precedência nessa escolha. No ambiente muçulmano, Banel usa cabelo curto, jamais cobre a cabeça e se recusa a ter filhos. Para o casal, seu amor lhe basta e eles não desejam mais do que viver sua vida, numa casa abandonada que foi coberta por uma tempestade de areia, fora da aldeia, e que eles estão desenterrando com as próprias mãos - um esforço simbólico de seu enfrentamento com os costumes tradicionais, que buscam sufocá-los.
Há sinais de que a aparência de paraíso sob este céu azul está abalada, com a demora da chegada das chuvas de que dependem a agricultura e a criação do gado. A seca persistente cria uma inquietação que acaba recorrendo à superstição, atribuindo-se a intempérie natural ao comportamento rebelde de Banel, como se fosse uma espécie de feiticeira. O que leva a uma pressão ainda maior para que o casal se adeque aos modos tradicionais.
Da maneira sutil como essa história se desenvolve, comenta-se a necessidade de liberdade, a luta entre tradição e mudança e a dificuldade de romper com os parâmetros de gênero. É um filme com muitas camadas, que permanece na memória muito tempo depois que a projeção terminou e certamente uma estreia promissora desta diretora, que colheu suas inspirações tanto nos griôs, contadores de histórias tradicionais da África, quanto na tragédia grega, tendo em mente heroínas trágicas, como Antígona e Medéia.