As questões sociais entram de permeio neste melodrama indiano, que retrata uma família brâmane algumas décadas atrás. Ou seja, trata-se da casta mais alta da sociedade indiana, mas que está arruinada. O pai, Bapuji (Dipen Raval), sustenta mulher e filhos vendendo chá na estação de trem de uma pequena cidade do oeste da Índia. Apesar do aperto financeiro, um dia ele faz questão de levar a mulher, Ba (Richa Maena), e os dois filhos para assistirem a um filme religioso no cinema. O filho mais velho, Samay (Bhavin Rabari), fica hipnotizado pelas imagens e se apaixona imediatamente pela sétima arte. Mas o pai não quer saber disso. Para ele, o cinema é “sujo” e proíbe os familiares de corresponder à paixão que ele mesmo iinadvertidamente despertou.
O filme do diretor Pan Nalin (que estreou com Samsara, em 2003) é comparado a Cinema Paradiso, de Giuseppe Tornatore, pela paixão cinematográfica que move o menino da história. A diferença é que Samay não está apenas interessado em assistir aos filmes, querendo também aprender a fazê-los, sonhando em tornar-se cineasta, apesar da oposição feroz do pai.
O roteiro, também assinado por Pan Nalin, desenvolve-se em torno da resistência do menino, em sua obsessão por ir ao cinema, incorrendo em todo tipo de transgressão, ainda que eventualmente lhe custe alguns cascudos do pai. Uma amizade providencial é a que estabelece com Faizal (Bhavesh Shrimali), o projecionista muçulmano do cinema local. Entre os dois, forma-se um vínculo a partir de uma pragmática troca de benefícios. Samay poderá assistir aos filmes de graça, escondido na cabine de projeção, em troca de fornecer os deliciosos quitutes que sua mãe prepara para sua marmita diária ao esfomeado e mal-pago projecionista.
Essa convivência secreta é a escola em que Samay aprende não só sobre filmes e gêneros mas sobre a essência dessa arte, baseada na luz. Valendo-se de sua imaginação, Samay também cria sua própria técnica para desenvolver um projetor a partir de sucata, que ele recolhe junto com seus amigos de escola. Conseguir filmes já é outro problema, que o descolado garoto improvisa quando descobre que as latas dos filmes exibidos na região ficam guardadas no depósito da estação de trem. Do dia para a noite, alguns rolos desses filmes começam a sumir, causando protestos nas exibições nos cinemas pela falta de trechos e de sentido.
Em todas estas situações, torna-se claro o quanto as diferenças de castas e classes determinam o lugar de cada um numa sociedade extremamente estratificada, em que saber inglês pode ser a diferença entre ter ou não acesso a trabalhos melhores.
O rígido personagem paterno será aquele que percorrerá um arco dramático mais extenso, capaz de um sacrifício comovente, do qual um melodrama honesto como este depende para apertar seus botões dramáticos na reta final. Fora do círculo familiar, a chegada do cinema digital também será determinante de mudanças capazes de abalar estas vidas drasticamente no terceiro ato, num enredo que não abre mão de homenagear uma paixão pelo cinema capaz de sobreviver a toda e qualquer revolução tecnológica pelo conhecimento da obra dos mestres eternos, citados na porção final.