Parceiros há sete filmes, desde Canções de Amor (2007), o diretor Christophe Honoré e a atriz Chiara Mastroianni compõem em Marcello Mio uma homenagem criativa e emocionada ao pai da atriz, Marcello Mastroianni (1924-1996). O enredo incorpora diversas questões reais da vida de sua filha, que sempre carregou o peso desta filiação - além de sua mãe ser ninguém menos do que Catherine Deneuve.
Deneuve entra amorosamente na história, em que se delineia uma crise na vida de Chiara, não só profissional como pessoal no nível mais profundo. Isso a leva a assumir a identidade de seu pai, prendendo os cabelos, colando no rosto um bigode, vestindo-se como homem e falando italiano.
Essa transformação produz um choque à sua volta, começando pela mãe e também por outros atores e diretores com diferentes pesos na vida de Chiara, como seu ex- Melvil Poupaud, Nicole Garcia (diretora com quem ela está preparando um filme), outro ex-, o ator Benjamin Biolay, e Fabrice Luchini (seu colega no projeto com Nicole e que se torna uma espécie de anjo protetor, sempre pronto a entrar em ação quando Chiara perde o rumo).
Mas o enredo se nutre também de uma bem-vinda poesia, colhida de cenas dos filmes do próprio Marcello, como A Doce Vida e As Noites Brancas, retrabalhadas num outro registro - introduzindo personagens como um cachorro e um soldado inglês, Colin (Hugh Skinner). Este entrelaçamento com o fio condutor da história é que a faz crescer, com camadas de humor, ternura mas também de uma indefinível melancolia. Afinal, todos temos imensas saudades de Marcello Mastroianni, que neste ano tem comemorado em todo o mundo seu centenário de nascimento.
Marcello Mio é, afinal, o Marcello da filha Chiara, um pedaço incontornável de sua identidade, pela mesma profissão e até pela semelhança física - Chiara tem nitidamente os olhos do pai, embora impregnada de uma outra personalidade como atriz, que não a vincula nem a ele, nem à sua mãe. Mais do que tudo, parece ser isso o que este filme procura afirmar. Aos 52 anos, Chiara declara que já é mais do que tempo de que a olhem por ela mesma.