08/02/2025
Comédia dramática Romance

Meu Bolo Favorito

Mahin tem 70 anos e é viúva. Sente muito o peso da solidão e sonha com um novo romance. Ela se interessa por Fahramaz, um motorista de táxi divorciado da mesma idade e toma a iniciativa de convidá-lo à sua casa. Os dois têm uma noite cheia de alegrias mas há um imprevisto. Nos cinemas.

post-ex_7

O Festival de Berlim 2024 exerceu, mais uma vez, sua vocação para dar voz às vítimas de tentativas de repressão com a exibição do concorrente iraniano ao Urso de Ouro Meu Bolo Favorito. Os diretores, Maryam Moghaddam e Behtash Sanaeeha, foram impedidos de viajar pelo governo iraniano, que confiscou seus passaportes e os submeteu a uma investigação judicial. Por isso, na coletiva de imprensa, eles foram lembrados com uma foto e representados pelos protagonistas do filme, Lily Farhadpour e Esmail Mehrabi, que leram uma carta escrita pelos cineastas. Ao final do festival, o filme recebeu premiações da Fipresci e o troféu ecumênico. 

Na carta, eles manifestam sua profunda tristeza em não poderem acompanhar a première do filme em Berlim, comparando-a à dor de “pais que fossem impedidos de ao menos olhar para seu filho recém-nascido”. Lembraram que o filme levou três anos para ser produzido e que a liberdade “é um tesouro perdido em nosso país”, aludindo às inúmeras regras restritivas de censura a que os cineastas são submetidos, cuja desobediência leva a “anos de suspensão, proibições e processos judiciais complicados”. Tal como aconteceu, como se lembra, com cineastas premiados como Jafar Panahi e Mohammad Rasoulof, entre outros.

O enredo acompanha o envolvimento entre uma viúva, Mahin (Lily Farhadpour), e um divorciado, Fahramaz (Esmail Mehrabi), ambos com 70 anos, e que vivem uma noite romântica, na casa dela, bebendo vinho e dançando, ela dispensando o hijab (aliás, na coletiva em Berlim a atriz também não o usava). Tudo isso, segundo os atores, é parte da realidade iraniana que as autoridades islâmicas tentam impedir o cinema de mostrar - e, desta vez, não conseguiram. 

Nem por retratar uma realidade assim complexa - o que inclui cenas em que polícia da moralidade detém algumas jovens na rua, por não estarem usando o hijab corretamente, causando o protesto da protagonista, em vão -, o filme deixa de ter muito humor. Ele existe sobretudo nas cenas iniciais, que mostram a velha senhora recebendo suas amigas, falando de homens com liberdade, e também no próprio envolvimento de Mahin e Fahramaz. Não é comum em filmes iranianos mostrar-se um comportamento como o dela, uma mulher madura que assume seu desejo de companhia e sexo, tomando a iniciativa de convidar à sua casa o motorista de táxi Fahramaz. O que exige, para que os vizinhos não se dêem conta, uma série de artifícios para a entrada do homem na casa da viúva - um detalhe que evidencia uma sociedade em que a vigilância da vida pessoal se tornou também uma constante, um dado tanto mais grave por ser passível de uma condenação não apenas social como até policial, dependendo das circunstâncias.

O encontro destes dois entre quatro paredes, no entanto, respira liberdade, que se torna tanto mais atraente por se tratarem de dois septuagenários - o etarismo, afinal, não é exclusivo de nenhuma sociedade no mundo, especialmente quando envolve sexo e afetividade. O título se refere, efetivamente, a um bolo especialíssimo que Mahin vai preparar para seu visitante e que é o símbolo do engenho e arte desta mulher, tão invisibilizada em seu contexto. De viúvas, afinal, não se espera mais do que um apagamento que equivale a uma espécie de morte em vida, o que Mahin, rebeldemente recusa. Uma deliciosa sequência no chuveiro é o ponto alto deste sentimento, deste impulso de vida que une instantaneamente estas duas vidas solitárias.

Há uma segunda parte, em que o filme muda radicalmente sua chave, assumindo querer tratar de outras questões - e o faz com força sombria igualmente extraordinária. Em suma, é um filme complexo, que desafia abertamente a censura e a perseguição aos artistas vigente numa sociedade autoritária e teocrática.

post