17/03/2025
Comédia Terror

Canina

Dois anos depois de abandonar sua carreira como artista plástica para cuidar de seu filho, uma mulher chega ao seu limite da exaustão. Nesse momento, seus instintos mais ferozes afloram.

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Como muitos filmes contemporâneos hollywoodianos, Canina tem uma dificuldade enorme em mostrar, por isso confia demais na narração em off, a ponto de tornar-se excessivamente didático. Mesmo assim, uma Amy Adams, digamos, numa performance feroz, garante interesse ao longa escrito e dirigido por Marielle Heller, a partir do romance de Rachel Yoder.

A questão central aqui é a maternidade e a forma como foi colocada às mulheres ao longo dos milênios. Adams interpreta uma personagem que, nos créditos, é chamada apenas de Mãe, um indício de que sua identidade deixou de ser pessoal e se tornou uma função sócio-familiar. Como mãe, ela abandonou sua carreira como artista plástica e passa o tempo em casa cuidando de seu filho de 2 anos. 

As atividades dela são devotadas a ele (e ao marido) ou com ele: do grupo de leitura na biblioteca (mediado por um sujeito chato com um violão) ao Baby Yoga, tudo gira em torno do pequeno Filho (interpretado pelos gêmeos Arleigh e Emmett Snowden). O Pai (Scoot McNairy) passa o tempo fora trabalhando e, quando volta é tão, ou mais, dependente do que o menino. Ele é incapaz, por exemplo, de pegar uma toalha, e do banheiro grita para a mulher lhe trazer uma. 

Obviamente, a Mãe está cansada disso, desse peso de exploração e responsabilidade que anularam sua vida pessoal. Tudo isso está claro pela trama do filme, mas Heller insiste em offs mais do que banais para explicitá-lo, a fim de que não fique nenhuma dúvida. Esse é um dos maiores problemas de Canina, em que essa redundância é marcada por frases que mais parecem autoajuda lembrando a Mãe (e o público) de que ela é mulher antes de mais nada, entre outras coisas.

Depois de muito insistir que a personagem é explorada e abusada emocional e fisicamente com demandas que deveriam ser divididas com o Pai, o filme toma rumos surreais. A Mãe começa a se sentir estranha, mais feroz, mais animal, atraindo atenção de cachorros desconhecidos pela rua, saindo de casa à noite sem lembrar-se do que houve. 

Dizendo que maternidade é algo ancestral, mas nem por isso instintivo. O longa aponta-a como uma construção social que não vem com manual de instrução e, por isso mesmo, tão complicada. Na biblioteca, a funcionária (Jessica Harper) lhe indica um livro chamado Um guia sobre mulheres mágicas, que transforma a vida da Mãe a um ponto sem retorno, fazendo-a encontrar sua fera interior. 

Em mãos menos hábeis, a personagem poderia virar motivo de chacota, em sua transformação gradativa em cachorra, mas Adams sabe transitar entre o humor e a exasperação, humanizando uma personagem que, a princípio, era apenas um tipo. E, por essa interpretação da mulher que corre com cães, ela merecia uma indicação ao Oscar. 

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