28/04/2025

Num mundo sem humanos, os animais vivem cada um a seu modo. Mas em breve o Gato, a Capivara, cães, aves e outros terão que encontrar meios de sobreviver a uma grande inundação, refugiando-se em solitários barcos. No streaming Sofá Digital (a partir de 14/4).

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De tempos em tempos, uma animação sai do seu cercadinho e se impõe como um filme passível de ser visto como uma metáfora de uma realidade maior do que a mera fantasia. Este é o caso de Flow, a original animação de Gints Zilbalodis que insere a Letônia definitivamente no mapa mundial do cinema por qualidades que lhe valeram premiações como o Globo de Ouro e o Oscar de melhor animação.

Sem utilizar um único diálogo, apenas os sons dos animais que o povoam, e recorrendo a uma animação 3D que foi obtida de um simples programa de código aberto, Flow impressiona por um visual que lembra as aquarelas, aproveitando a luz de forma singular. No roteiro, assinado por Zilbalodis, Matiss Kaza e Ron Dyens, retrata-se um mundo sem homens, a princípio numa floresta em que o protagonista é o Gato sem nome. Indicando que ali houve humanos há algum tempo, o Gato se abriga numa casa, deitando-se numa cama diante de uma mesa onde restaram desenhos de felinos. Do lado de fora, esculturas de gatos enfeitam o que foi outrora um jardim.

Território do Gato, a floresta é onde ele encontra alimento e também perigos, como cães selvagens que o perseguem, concorrentes que são da captura de peixes no rio ao lado. Mas esses perigos ficam em segundo plano quando a floresta sofre uma imensa inundação, que provoca a fuga dos animais e vai deixando o Gato gradativamente sem opções de refúgio.

Abrigado no alto de uma gigantesca escultura felina, ele terá que decidir rapidamente pular num providencial barco a vela que passa ao lado. Ali dentro, ele encontra como tripulante apenas uma Capivara, o primeiro ser vivo com quem passa a conviver. O barco ainda abrigará mais três passageiros em breve: um Labrador, um Lêmure que tem a mania de colecionar bugigangas e um Secretário, uma grande ave de rapina branca que se une ao grupo depois de ser ferida numa luta que salvou o Gato de ser devorado. Mais adiante, uma raposa e dois cães serão incorporados à trupe.

Esse ajuntamento improvável é a oportunidade de um exercício de convivência pacífica entre instintos condicionados a serem muito diferentes - o que é uma das metáforas evidentes desta fantasia sobre um mundo pós-apocalíptico, em que as águas cobriram os sinais das cidades humanas, cujas ruínas são de tempos em tempos vislumbradas pelos navegantes, assim como uma gigantesca baleia.

As cenas subaquáticas são algumas das de maior beleza, como aquela em que o Gato mergulha para perseguir peixes de todas as cores, que vai abocanhando para servir de refeição à tripulação de seu barquinho, flutuando na catástrofe à procura de um novo mundo. 

A trilha sonora, composta também por Zilbalodis e Richards Zalupe, pontua os momentos dessa atribulada aventura em que os animais, nunca antropomorfizados, lutam a seu modo com as condições incertas da sobrevivência, superando a potencial rivalidade com algo que pode ser chamado de solidariedade natural. Aí está o encanto deste filme verdadeiramente original, que tem como vantagem adicional retratar o Gato fora do chavão vilanesco com que as animações em geral teimam em enquadrá-lo.

 

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