Paul Dédaulus, o adorável (nem sempre, às vezes, chega a ser detestável) personagem-fetiche-alter-ego do cineasta francês Arnaud Desplechin em Loucos Por Cinema!, conduz uma ode, como tantas outras, à cinefilia e ao poder do cinema como transformador de vidas pessoais e da esfera social. É, de certa forma, um filme irregular, mas, possivelmente, o melhor do diretor em anos, o que não é pouco.
Como o título deixa claro, é uma carta de amor ao cinema do ponto de vista do público. Para isso, ele coloca Dédalus desde a infância, aos 6 anos quando vai, levado pela avó, pela primeira vez ao cinema. O personagem é interpretado por vários atores, entre eles, Mathieu Amalric, na maturidade, e Milo Machado-Graner (ator revelado em Anatomia de uma queda), na adolescência, quando o cinema se torna a grande paixão do personagem.
Com claras tintas autobiográficas, Desplechin traz uma narrativa que combina documentário e ficção memorialística, numa montagem bastante sagaz de Laurence Briaud, capaz de transitar entre os gêneros e estabelecer diálogos. Como, depois da primeira ida do cinema de Dédalus (numa cena hilária, embora frustrante para o menino), aparecem depoimentos de pessoas comuns sobre a primeira experiências delas no cinema.
Sendo “o cinema uma pergunta, não uma resposta”, como diz o Dédalus de 30 anos (Salif Cisse), Loucos Por Cinema! é um filme de indagações sobre como a imagem em movimento se alterou ao longo da história e como isso se refletiu nos hábitos e costumes sociais – não apenas em relação a ida ao cinema, mas na vida social como um todo.
A partir de experiências pessoais, Desplechin ilumina a arte. Tudo conta: dos cinéfilos comuns, que falam, entre outras coisas, sobre seus gostos pessoais e até ondem preferem se sentar numa sala de cinema, ao ex-crítico e cineasta Kent Jones e à filósofa Sandra Laugier, que tem uma longa conversa interessante com um grupo de jovens estudantes.
Mesmo lidando com ideias e autores complexos, como André Bazin e Stanley Cavell, e resgatando a história do cinema, o filme nunca cai num didatismo ou proselitismo. Pelo contrário, seu tom é leve, mas nem por isso pueril. Há momentos de profunda emoção, como quando Desplechin lamenta a morte da jovem atriz Misty Upham, que fazia parte dos povos originários dos EUA, e que trabalhou com o diretor em Terapia Intensiva.
É em momentos como esse – ou quando ele comenta sobre sua relação com o cineasta francês Claude Lanzmann, falecido em 2018 – que Desplechin mostra sua relação pessoal com o cinema. Mas também é revelador quando o jovem Dédalus vai a Lille para ver Gritos e Sussuros, de Bergman. Depois de se certificar de que o rapaz tem idade para entrar no filme, a bilheteira lhe avisa que ele irá se entediar. Mal sabe ela!