São 11 anos que separam o curta O Melhor Amigo do longa homônimo que estreou no Festival MixBrasil 2024. Ambos dirigidos pelo cearense Allan Deberton, cuja carreira entrou num novo momento com seu primeiro longa, Pacarrete, lançado em 2019, e ganhador de diversos prêmios, como melhor filme, diretor e atriz, para Marcélia Cartaxo, no Festival de Gramado. A passagem de mais de uma década constata mudanças socioculturais no Brasil, como a representação de personagens queer no cinema nacional.
O Melhor Amigo era um curta bastante bom sobre dois amigos que se reencontram, numa temporada de praia, e um deles descobre que o amor que sentia pelo outro ainda está vivo - como lidar com isso? O longa vai além, traz personagens mais bem desenvolvidos, além de se aprofundar nos seus dramas, mas, acima de tudo, é um filme marcado pela ambição do diretor em fazer dele um musical. Quem o vê na tela, nem imagina que se cogitou não ser um musical – é tudo tão bem encaixado, que não dá para imaginar algo diferente.
O tom de nostalgia dos anos de 1980 e 1990 está marcado nas músicas, na direção de arte, mas a atitude das personagens é sagazmente contemporânea. Depois de uma discussão com seu companheiro, Martin (Leo Bahia), Lucas (Vinicius Teixeira), entende que precisam de um tempo, e viaja para Canoa Quebrada, onde reencontra um antigo amigo, Felipe (Gabriel Fuentes).
Embora o musical seja, eminentemente, o gênero do escapismo, o longa não deixa de ter seus pés no chão ao falar, com algo de lúdico, sobre relacionamentos homoafetivos. Tudo é marcado pelas músicas em novas versões cantadas pelos atores e atrizes. Logo de cara, Felipe solta um Amante Profissional, numa performance surpreendente de Fuentes, que não tinha experiência musical. Seguem, então, versões de músicas como Doce Mel, Banana Boat e Escrito nas Estrelas.
Deberton, que assina o roteiro com Raul Damasceno, Otavio Chamorro e Pedro Karam, prova que os acertos de Pacarrete, que fez enorme sucesso de público, não foram sorte de principiante – até porque ele nem é principiante, com uma carreira de curta-metragista de mais de uma década. A delicadeza no trato com os personagens e o olhar para a construção de cenas, como no filme anterior, estão aqui novamente, e chegam a outro nível, uma vez que tudo precisa ser aliado à dinâmica peculiar do musical.
Contando com a participação de Claudia Ohana, Mateus Carrieri e Gretchen, interpretando a ela mesma, O Melhor Amigo é um filme que acompanha as personagens lidando com seus sentimentos. Se o curta é mais discreto em seu tom, até um tanto melancólico, o longa explode em cores e músicas de forma cadenciada, o que coloca o nome de Deberton num lugar particular do cinema contemporâneo brasileiro: um cineasta a se prestar atenção.