Apesar de ser um filme sobre espiões, tudo começa e acaba dentro de um casamento. No caso, dos espiões Kathryn St. Jean (Cate Blanchett) e George Woodhouse (Michael Fassbender). Difícil imaginar uma dupla mais elegante e profissional do que esses dois, que ocupam posições de destaque no ramo da espionagem e desfrutam de uma belíssima casa em Londres, sempre chiquérrimos no seu figurino.
Nota-se, nesses detalhes, a mão do diretor Steven Soderbergh, que assinou empreitadas semelhantes a partir de Onze Homens e um Segredo (2001), criando seu próprio estilo nos domínios onde James Bond costumava reinar absoluto. No caso de Código Preto, não se trata (ainda) de uma franquia, mas está por trás a mesma tática de combinar perigo à elegância, temperando a trama, sempre complicada, com uma enxurrada de DRs - à primeira vista, não conectadas com a grande intriga internacional que move o roteiro assinado por David Koepp - o nome por trás de sucessos como Jurassic Park: Parque dos Dinossauros (1993) e Missão: Impossível (1996).
Como sempre, a trama é complicada. Em síntese, envolve o roubo de um dispositivo secreto, o Severus, capaz de aniquilar o funcionamento de reatores nucleares - curiosamente, um dispositivo físico, não digital, o que insere um elemento de ironia. De todo modo, a queda desse mecanismo em mãos perigosas mobiliza o serviço secreto inglês e cria uma situação insuportável para George - afinal, sua bem-amada mulher é suspeita de estar negociando Severus com os russos. A Guerra Fria nunca acaba, não é mesmo?
Colocando para funcionar seu semblante mais gélido - exceto nas carinhosas interações caseiras com Kathryn -, George coloca em funcionamento uma série de situações visando descobrir onde se deu a quebra de segurança no sistema. Para isso, monta uma curiosa mesa de jantar em sua casa, à qual são convidados seus colegas mais próximos, Eddie Smalls (Tom Burke), Clarissa Dubose (Marisa Abela), James Stokes (Regé-Jean Page) e Zoe Vaughan (Naomie Harris), criando um jogo em que são expostas as tensões de seus relacionamentos íntimos uns com os outros - bota DR nisso - para expor eventuais traições por parte de algum deles.
A história se move entre uma série de manobras arriscadas, temperadas por essas relações perigosas de uns espiões com os outros. Eles são humanos, afinal, e não deixa de ser sintomático o quanto o enredo sugere cinicamente como a segurança do mundo pode ser influenciada por chantagens, ciúmes e também por apego e lealdade. Ninguém duvide de até onde George e Kathryn podem ir um pelo outro.
Falando em James Bond, a presença de Pierce Brosnan como um sinuoso chefe do serviço secreto inglês não deixa de ser uma discreta piscadela ao famoso 007.