Num tempo em que os EUA colecionam inimigos e cultivam uma política externa sempre capaz de lhe angariar mais alguns, o novo filme de Tom Cruise tem ao menos o mérito de fazer as pazes com um dos mais tradicionais vilões de Hollywood nas últimas décadas - os japoneses.O povo que foi dizimado por duas bombas atômicas na vida real, em 1945, e cuja imagem foi impiedosamente trucidada em dezenas de filmes americanos - onde nunca foram esquecidos como os arqui-vilões de Pearl Harbor - aqui é reabilitado. A história de John Logan rende homenagem à bravura indomável dos samurais, representados por Katsumoto (o carismático Ken Watanabe), que divide na tela o posto de herói com Cruise.Ex-combatente na guerra da Secessão, o capitão Nathan Algren (Cruise) virou um bêbado desiludido que trabalha para a indústria de armas. Vive atormentado por fantasmas dos índios que ajudou a matar, sob as ordens do general Custer. Não tem muito o que esperar da vida, a não ser virar mercenário a serviço das muitas causas escusas que unem o mundo dos negócios à política.Seu antigo sargento (Billy Connolly) chama Algren para treinar o exército imperial do Japão, no momento em que o país rompe um isolamento secular e prepara uma modernização à ocidental, em meados de 1876. Alguma semelhança com as verdadeiras razões por trás da guerra do Iraque não será mera coincidência. Afinal, ditando os rumos dessa modernização está uma aliança entre a indústria de armas e a diplomacia americana. A grande diferença é que no Japão não havia petróleo.À frente de soldados que têm armas de fogo mas não a melhor estratégia, o capitão é capturado pelo comando samurai que, apesar de manejar apenas flechas e espadas, é mais eficiente. Ainda que fiéis ao jovem imperador (Shichinosuke Nakamura), os samurais se opõem a esse progresso governado pelos interesses estrangeiros e ensaiam uma rebelião. São os defensores da tradição e de valores abstratos como honra, nobreza, dignidade, altruísmo. Não é de admirar que o prisioneiro americano seja cooptado por eles. Não é preciso mais do que um inverno em sua companhia para que Algren torne-se um samurai honorário, capaz de dominar a língua, os costumes e o modo de lutar dos espadachins, e se mostre disposto a mudar de lado, ainda que as chances de vitória sejam improváveis.O diretor Edward Zwick tem prática em filmes em que a guerra ocupa um espaço central. Já conduziu Tempo de Glória, Lendas da Paixão, Coragem sob Fogo. Sabe portanto filmar batalhas com a energia que a câmera requer. Não lhe faltam, também, inspirações em filmes japoneses, notadamente na obra de Akira Kurosawa - sem a mesma grandeza e sentido épico. Um dos comprometimentos é a costumeira vaidade de Cruise, sempre o produtor de seus filmes, o que vale dizer que o filme manterá seqüências que não têm outro sentido além do exibicionismo. Um exemplo é a cena em que ele enfrenta três lutadores, mostrada duplamente por meio de um flashback, sem nenhuma necessidade narrativa. Um maniqueísmo um tanto espesso tolhe a caracterizaçãop dos personagens principais, roubando força ao desenrolar dramático das situações. E o final é inacreditavelmente tosco e açucarado, diante de tudo o que veio antes. Ainda assim, o filme tem seu valor, especialmente na produção, como sempre, de alto nível. E Ken Watanabe sobressai-se como um herói acima de todos os vícios, inclusive os do cinemão.