Guto Parente aborda a incomunicabilidade em filme sobre a pandemia
- Por Alysson Oliveira
- 30/07/2024
- Tempo de leitura 4 minutos
Guto Parente: partiu de experiências próprias para realizar Estranho Caminho (Crédito: Divulgação)
Enquanto apresentava em festivais ou para possíveis investidores o projeto que viria a ser o longa
Estranho Caminho, o roteirista e diretor Guto Parente ouviu diversas vezes o mesmo comentário: ninguém iria querer ver, ao menos tão já, um filme sobre a pandemia. Ainda bem que ele não desistiu, e o resultado é um filme delicado e pungente sobre um momento da história recente com uma trama contada como drama e uma leve camada de humor, tendo ao centro pai e filho que precisam voltar a conviver juntos durante o primeiro lockdown.
Parente, que tem no currículo Inferninho (codirigido por Pedro Diógenes), começou a escrever o roteiro do longa em março de 2020, ainda no começo da pandemia, um momento que ninguém imaginava que iria se prolongar por tanto tempo. “Era para ser apenas um exercício, uma forma lidar com o isolamento e a solidão. Escrevi o roteiro muito rápido, e minha intenção era lidar com aquele momento mesmo. Com as incertezas, e não os horrores que vieram com os meses seguintes.”
Estranho Caminho tem como protagonista David (Lucas Limeira), um jovem cineasta cearense de filmes experimentais que está radicado no Rio, e volta à sua cidade para mostrar, num festival, sua nova obra e reencontrar os amigos. O momento é meados de março, quando tudo acontece de repente e de uma vez. O festival é cancelado, assim como sua passagem. Sem ter onde ficar, ele acaba tendo que se hospedar na casa do pai, Geraldo (Carlos Francisco, de Marte Um), com quem mantém uma relação conturbada. Com o decreto do primeiro lockdown, eles terão de conviver juntos por um tempo.
Parente conta que perdeu o pai em 2017, e fazer esse filme também era uma maneira de refletir sobre a relação deles, que era marcada, como a dos personagens, pela incomunicabilidade, embora vissem muitos filmes juntos. Durante o isolamento, o cineasta pensou como seria reencontrar com seu pai, e disso nasceu o longa.
“Eu queria me concentrar no horror da indefinição daquele primeiro momento. Não queria avançar na trama conforme as coisas foram acontecendo no Brasil e no mundo, o aumento do medo, do número de mortes. Quando houve o ápice da pandemia, meses depois, o filme já estava escrito.”
Mas a pandemia também esteve presente nas filmagens. Parente conseguiu fazer o filme graças à Lei Aldir Blanc, criada em homenagem ao compositor que morreu de covid em 2020, e tem por objetivo fomentar a produção cultural. O longa seria, inicialmente, rodado em abril de 2021, mas uma nova onda forte do vírus obrigou a produção a ser adiada por alguns meses.
“Lançar o filme quatro anos depois daquele momento”, explica o diretor, “permite um distanciamento, fazendo com que ele seja até um objeto histórico, um olhar para o passado que nos ajuda a compreender como chegamos até aqui.”
O diretor admite que o protagonista, por ser um cineasta tem muito dele mesmo, que, também começou fazendo filmes experimentais, como o personagem, e viveu os mesmos dilemas e questionamentos no início de sua carreira. “Se, no começo, as pessoas não se importavam muito com o cinema experimental, hoje me perguntam muito sobre isso. Há um interesse da juventude muito grande nesse tema.”
Para o personagem do pai, Parente já havia pensando em Carlos Francisco quando escreveu o filme. A parceria entre ele, mais experiente, e o jovem ator Lucas Limeira foi fundamental para encontrar o equilíbrio no longa. “Trabalhei muito com o Lucas para a construção do personagem, com a ajuda da preparadora de elenco Noá Banoba, que também atua no filme. Depois o Carlão chegou e trouxe sua experiência, seu conhecimento, e ele se conectou muito com o Lucas, foi muito generoso no trabalho juntos.”
Estranho Caminho foi exibido em diversos festivais no Brasil e no exterior, sendo premiado em Tribeca, Havana, Tiradentes, Rio, entre outros. “O filme encontrou seu caminho nos festivais, e a recepção mostrou que tem uma comunicação universal. Afinal, todo mundo viveu a pandemia”.