15/05/2025
Drama

Viajo porque preciso, volto porque te amo

Trabalhando numa expedição geológica, José Renato é obrigado a viajar pelo sertão do Nordeste. Enquanto cruza a região, faz um balanço de sua vida e de seu amor que ficou para trás.

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O premiado Viajo porque preciso, volto porque te amo é um filme de amor em primeira pessoa. É também a consagração de dois grandes talentos do cinema brasileiro contemporâneo, Marcelo Gomes (Cinema, Aspirinas e Urubus) e Karim Aïnouz (Céu de Suely, Madame Satã), que aqui realizam um longa que transita em uma linha bem tênue entre o documentário e a ficção.
 
 O filme, que teve sua première mundial na mostra Horizontes do Festival de Veneza 2009, é o resultado de dez anos de captação de imagens e de um mergulho pessoal dos dois diretores pelo sertão nordestino. A colagem de impressões e documentações desse mundo se interligam à história de um personagem fictício, o geólogo José Renato (Irandhir Santos), que avalia uma região que poderá desaparecer se um canal for construído a partir do desvio do único rio do local.
 
Nessa longa jornada sertão adentro, José Renato conversa com a sua amada, uma botânica que ele espera logo reencontrar. Seus diários de viagem, declarações de um amor saudoso, pontuam a história, tecendo uma fina trama que une os personagens reais que cruzam o seu caminho. São pessoas simples, cujas vidas e ofícios, quase esquecidos no meio do nada, são redescobertos pela ótica humanista dos diretores.
 
Um detalhe importante é que nunca vemos o rosto do personagem – apenas ouvimos sua voz. Dessa forma, a câmera funciona como seus olhos, registrando não apenas o que ele vê, mas a forma como enxerga o mundo ao seu redor.
 
Um rapaz faz colchões com o pai e seus hormônios juvenis estão à flor da pele; uma mulher confecciona flores artesanais, belas em sua simplicidade; uma família vive isolada, praticamente sem contato com o mundo, e uma das filhas lê e relê Machado de Assis. Uma prostituta, Pati Simone, sonha com aquilo que ela chama de uma “vida-lazer”. Mas não é difícil de imaginar o que vem a ser isso – simplesmente uma vida sem problemas, com tranquilidade financeira e paz emocional. São os sonhos de pessoas que nem sempre buscam a realização dessas pequenas ambições. Ao lhes dar voz, Viajo porque preciso, volto porque te amo torna-se um documentário de cunho social. Mas isso jamais se torna a razão de ser do filme.
 
Em sua essência, Viajo porque preciso, Volto porque te amo pega emprestado o molde do road movie, com um personagem que cai na estrada e cuja travessia serve de metáfora para uma transformação interior. Ao fim de uma jornada desse gênero, o protagonista jamais será o mesmo, pois foi transformado por tudo aquilo que acumulou ao longo do caminho. A quase obsessão de José Renato em interagir com as pessoas pode ser uma denúncia de sua solidão, da saudade de casa, da mulher.
 
A diversidade de texturas do filme – resultado das imagens em diversos suportes, como Super 8 e High 8, algumas das formas mais antigas e mais modernas na captação de um filme – funcionam como um reflexo do conturbado estado emocional do protagonista. Ao mesmo tempo, conferem um diálogo entre os diretores e a modernidade e urgência do audiovisual contemporâneo, em que qualquer vídeo pode cair na rede em questão de segundos.
 
Essa diversidade visual pode mostrar também a contradição do personagem e o estado emocional que o aflige. “A única coisa que me faz feliz nessa viagem são as lembranças de ti”, confessa ele para a amada, para mais tarde dizer: “Sabe que a única coisa que me deixa triste nessa viagem são as lembranças de ti?”.
 
Ganhador do prêmio de direção no Festival do Rio, Viajo porque preciso, volto porque te amo é o típico filme que só tem a ganhar com a revisão. Quando o assistimos pela segunda vez, é possível deixar de lado as surpresas da narrativa, para nos concentrarmos nos personagens que cruzam o caminho do protagonista e formam um painel humano tão rico e colorido quanto melancólico.  
 
Logo no início do filme, José Renato comenta que mal começou a viagem e tudo já o irrita. “A paisagem não muda”, reclama. Ao final, ele parece ser outra pessoa, assim como a paisagem, em constante mudança. O resultado da jornada, além de render um belo filme, é o que comprova o quanto ela foi essencial e transformadora.
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