Diretor do vencedor do Oscar 2018 (Moonlight – sob a luz do luar), Barry Jenkins prossegue na sua crônica sensível sobre a condição afro-americana nos EUA adaptando um clássico de James Baldwin, Se a rua Beale falasse. O novo filme recebeu três indicações ao Oscar 2019, vencendo um para a magnética Regina King, já vencedora do Globo de Ouro, como atriz coadjuvante.
Ambientada na Nova York dos anos 1970, a história percorre, em paralelo, o envolvimento romântico entre Tish (Kiki Layne) e Fonny (Stephan James) e o turbilhão em sua vida causado por uma acusação de estupro contra ele. O mundo pessoal do jovem casal, repleto de afeto e calor, inclui também suas famílias, dois clãs de classe média bem diferentes. Do lado de Tish, os descolados Rivers, incluindo sua mãe, Sharon (Regina King), o pai, Joseph (Colman Domingo), e a irmã mais velha, Ernestine (Teyonah Parris). Do lado de Fonny, os Hunts, alinhando sua mãe fanática religiosa (Aunjanue Ellis), o pai impulsivo, Frank (Michael Beach), e duas filhas à imagem e semelhança da mãe (Ebony Obsidian e Dominique Thorne).
Um choque entre as duas famílias, reunidas numa noite para discutir a gravidez imprevista de Tish, demonstra bem suas diferenças, não sem um toque de descontrole e histeria. Mas a acusação criminal contra Fonny, que vive fora da família tentando tornar-se artista, de algum modo, coloca todos no mesmo barco, lutando para pagar um advogado para o rapaz.
Não é simples defender-se de uma acusação tão hedionda, mesmo sendo inocente e não havendo provas. Trata-se de um homem negro, enquadrado por um policial branco (Ed Skrein) – devido a um incidente banal -, pondo em movimento a engrenagem racista dos EUA, que costuma triturar acusados com este perfil. Com o processo criminal, pisoteiam-se os sonhos ao tirar a vida do par de namorados de uma rota que encaminhava ao casamento entre dois amigos de infância. Era tudo muito simples, assim como seus projetos. Só que um homem negro na América aparentemente tem muitas vezes negado esse direito básico a uma existência normal.
A maneira como se aborda a problemática central é iluminada por uma cena em que um amigo de Fonny, Daniel (Brian Tyree Henry), lhe revela o inferno sofrido numa recente prisão – em que ele também foi acusado injustamente. Este testemunho, por si só, escancara um dos dilemas básicos dos EUA nos anos 1970 e ainda não superado hoje. A dramática atualidade da obra de James Baldwin, um dos grandes escritores afro-americanos, é exposta de maneira sublime.
Contando com a parceria, novamente, como em Moonlight, do diretor de fotografia James Laxton, Barry Jenkins emoldura a história com um arco de cores que lhe ressalta o sentido, no mais puro estilo Douglas Sirk e Todd Haynes. É como se os amantes Tish e Fonny habitassem um arco-íris amoroso particular, envoltos numa espécie de aura que este mundo externo e injusto força para quebrar. A trilha de Nicholas Britell, indicada ao Oscar, pontua esse esgarçamento com cordas em notas lancinantes.
Nova York, particularmente o Harlem e trechos do Greenwich Village, é outra personagem do drama. Aí fica exposto o trabalho minucioso do desenhista de produção Mark Friedberg e do gerente de locações, Samson Jacobson, nova-iorquinos que deram suporte ao diretor, nascido em Miami.