Julho de 1995. Apesar de declarada zona de segurança pela ONU, a cidade bósnia de Srebrenica é cercada por tropas sérvias. A população de 30.000 habitantes foge e se amontoa dentro e fora da base da ONU, administrada por tropas holandesas. Quando soldados sérvios se aproximam da base, Aida, uma tradutora da ONU, se desespera para salvar sua família.
- Por Neusa Barbosa
- 17/04/2021
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Nascida em Sarajevo, a cineasta Jasmila Zbanic tem-se especializado em colocar imagens e palavras em situações, referentes a episódios da Guerra dos Bálcãs dos anos 1990, que parecem superar a possibilidade de serem descritas. Em seu longa de estreia, Em Segredo, vencedor do Urso de Ouro no Festival de Berlim 2006, ela aborda o asfixiante dilema de uma mulher que foi submetida aos famigerados “estupros étnicos”. Em Quo Vadis, Aida?, indicado ao Oscar em língua estrangeira 2021, ela retrata o genocídio na cidade de Srebrenica, em 1995, com mais de 8.000 mortos, o maior massacre ocorrido em solo europeu desde a II Guerra.
Para contar uma história desta intensidade, a diretora e roteirista aciona um dispositivo dramático que alterna o pessoal e o coletivo, indispensável para abarcar tantos de seus aspectos. Assim, situa em Aida (Jasna Djuricic) o ponto de vista pelo qual olhamos, reconstituindo diante de nós a inexorável cadeia de acontecimentos que levaram à grande tragédia, mas detendo-nos ao longo do caminho para entendermos como foi possível.
Aida é uma professora que trabalha como intérprete para as forças de paz da ONU que se estabeleceram na região, como uma suposta garantia de que a condição de zona de segurança de Srebrenica, com população de maioria muçulmana, fosse respeitada pelas tropas sérvias. Sucessivos ultimatos da ONU, com promessas de bombardeio, não detiveram, no entanto, o agressivo avanço dos sérvios sobre territórios bósnios. Com 30.000 habitantes em fuga, Srebrenica será ocupada pelos sérvios, comandados pelo general Ratko Mladic (Boris Isakovic), que não se contentarão apenas com a conquista do território.
Milhares de cidadãos da cidade ocupada refugiam-se dentro e ao redor da base da ONU, controlada por tropas holandesas, onde está Aida - em aflição constante, porque ficaram lá fora seu marido, Nihad (Izudin Bajrovic), e seus filhos, Hamdija (Boris Ler) e Sejo (Dino Bajrovic).
Gravitando em torno de Aida e da multidão desesperada, dentro e fora da base assediada pelos sérvios, o filme constroi com grande eficiência os capítulos do drama, em que os ingredientes fatais são a inoperância da ONU e a voracidade dos sérvios em massacrar inimigos de ódios étnicos.
Com uma câmera colada ao corpo dos personagens - fotografia de Christine A. Maier -, como em O Filho de Saul, de Laszlo Nemes, a diretora joga seus espectadores dentro do turbilhão, fazendo-os compartilhar a urgência, a angústia e o desespero não só de Aida, mas de todos os civis bósnios, tornados indefesos diante da precária proteção dos gatos pingados da ONU. Que palavras se pode encontrar para descrever um massacre e a dor de um povo entregue aos seus algozes ?
O rosto de Aida é o espelho dessa tragédia e a atriz imprime uma intensa dignidade à sua dor irresgatável. Várias vezes ao longo do filme, a câmera fecha nesse rosto, nesse olhar que nos interroga a todos - como se permitiu tudo isso sem que todos se tornassem cúmplices ?