08/02/2025
Filme de época Drama

O último duelo

Jean de Carrouges é um fiel escudeiro do rei da França, tendo lutado por ela na Guerra dos Cem Anos, ao lado de seu amigo, Jacques Le Gris, cuja vida um dia ele salva. Favores obtidos por Le Gris criam rivalidade entre os dois. Mas um confronto final se travará quando Marguerite, mulher de Jean, acusa Le Gris de estupro.

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Às vésperas de completar 84 anos - em novembro -, o veterano diretor inglês Ridley Scott mostra uma invejável disposição para fazer filmes em diferentes épocas. Em seu mais recente, O Último Duelo, ele embarca o público numa história ambientada na França do século XIV, que revela seu aspecto mais eletrizante não nos campos de batalha encharcados de lama e sangue que o povoam mas numa fascinante reflexão sobre um período em que o machismo tinha força de lei, amparado pela religião cristã.
 
Um recurso eficaz é recorrer a três roteiristas para cada um escrever uma das três partes em que se divide uma longa narrativa, distribuída em quase 3 horas. Permite-se, assim, oscilar o ponto de vista dos três protagonistas do drama central, envolvendo o cavaleiro Jean de Carrouges (Matt Damon), o escudeiro Jacques Le Gris (Adam Driver) e a mulher de Jean, Marguerite (Jodie Comer).
 
Carrouges e Le Gris lutaram juntos em algum ponto da infindável Guerra dos Cem Anos, entre a França e a Inglaterra, e são amigos até o dia em que o conde Robert D’Alençon (Ben Affleck), a cujo poder ambos estão submetidos, extrapola na preferência por Le Gris - que ele adota como companheiro inseparável, inclusive de suas orgias, depois que este lhe colocou as finanças em dia. 
 
Le Gris beneficia-se de enormes vantagens financeiras e posses, inclusive de terras, que finalmente prejudicam os interesses de Carrouges. Mas nenhuma afronta será maior do que o alegado estupro de Marguerite por Le Gris, por ocasião de mais uma viagem de combate do marido à Escócia.
 
A primeira parte, roteirizada por Damon, expõe o ponto de vista de Carrouges. A segunda, escrita por Affleck, a posição de Le Gris. A terceira e última, a de Marguerite, roteirizada por Nicole Holofcener.
 
O contraste entre as três visões coloca em evidência a tenebrosa estrutura legal e religiosa na França da época, em que uma acusação de estupro sequer podia ser feita pela própria vítima e sim pelo homem cuja honra teria sido aviltada - caso do marido de Marguerite. A ultra-exposição pública da família e da própria vítima, em processos em que sua credibilidade era colocada à prova das maneiras mais terríveis, levava a que a maioria das mulheres abusadas se calassem. Não Marguerite, que enfrenta o descrédito geral, inclusive do marido a princípio, e a oposição da própria sogra (Harriet Walter), para levar seu caso adiante, diante da natural negativa de Le Gris. 
 
Havia ainda outro aspecto assustador em manter este tipo de acusação - a solução final do caso levava a um duelo entre o marido e o acusado, em que somente um restaria vivo. E a vitória seria considerada um sinal de que Deus havia se manifestado. Se Carrouges for derrotado, Marguerite será queimada viva.
 
Contando com a fotografia de Dariusz Wolski, a montagem de Claire Simpson e uma excepcional equipe de direção de arte, Scott constrói solidamente ambiência e contexto a uma história incrivelmente inspirada num caso real, contado no livro The Last Duel: A True Story of Trial by Combat in Medieval France, de Eric Jager. Essa ambientação permite que a narrativa permaneça vibrante ao escancarar as convenções e vilanias que moviam uma sociedade rigidamente feudal.
 
A parte final, com a versão de Marguerite, identificada como “a verdade”, deixa claro a quem o filme está aderindo. É neste segmento, afinal, que fica clara a maneira divergente como marido e mulher enxergam sua felicidade conjugal. 
Vista recentemente na comédia fantástica Free Guy: Assumindo o Controle, a atriz inglesa Jodie Comer sustenta a delicada mistura entre contenção e coragem que o papel de Marguerite lhe oferece. Assim o fazendo, ganha o direito de transformar sua personagem numa pioneira da luta feminista.
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