30/04/2024
Drama

Corsage

Conhecida por sua beleza e seu gosto refinado, a imperatriz Sissi (Vicky Krieps) é, aos 40 anos, dada como velha. Reagindo a uma série de opressões, ela fará de tudo para preservar sua imagem e ter novas experiências, numa sociedade marcada pelo machismo e as convenções da tradição. Na Reserva Imovision (a partir de 12/4).

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Reinventando uma personagem histórica que já frequentou vários filmes e mereceu encarnações notáveis de Romy Schneider, Corsage, de Marie Kreutzer, confirma o talento da diretora (autora do sólido O Chão sob meus Pés) e ainda mais de sua magnética intérprete, Vicky Krieps - que, não por acaso, vem colecionando prêmios em diversos festivais, a partir de Cannes 2022, onde o filme integrou a seção Un Certain Regard. 
 
Tal como fizera em A Trama Fantasma e A Ilha de Bergman, a atriz ocupa o espaço com seu rosto e seu corpo de uma forma tão sutil quanto avassaladora, arrebatando com uma mistura de energia e delicadeza. Cria, assim, empatia pela turbulência interior de sua rainha Elisabeth da Áustria, a famosa Sissi, uma mulher inconformada com os limites de seu lugar no mundo, por mais privilégios de que desfrute. Uma situação de que o espartilho (o “corsage” do título original) torna-se uma poderosa metáfora visual e existencial, evidenciando as amarras que tolhem os desejos desta soberana cuja voz não é levada em conta pelo marido, o imperador Francisco José (Florian Teichtmeister).
 
Um recurso eficiente do roteiro, também assinado por Marie Kreutzer, é dotar de nuances este imperador, cujo machismo se exerce de maneiras sutis, evitando reduzi-lo a um vilão caricato. Da maneira como a diretora conduz sua história, ambientada em 1877, as situações e detalhes colocam em foco um contexto muito mais amplo do que a decoração dos castelos onde a imperatriz se movimenta. Eles são cenários de uma História em movimento, contra cujas arestas Elisabeth se fere e não haveria modo de evitá-lo, dado seu inconformismo diante dos papeis sociais que esperam dela. Mesmo a maternidade é encarada por ela de uma maneira muito pessoal e ela paga seu preço por isso, com a incompreensão dos filhos. 
 
Esta Sissi que acaba de completar 40 anos - sendo, portanto, tida como velha para os padrões de sua época -, não está nada disposta a apagar-se. A entrada na maturidade, ao contrário, é empunhada por ela como uma arma para desafiar aquilo que moldou sua vida até ali. Insatisfeita com as convenções de seu cargo, ela finge desmaios para escapar de eventos tediosos - como ela confessa ao primo, Ludwig de Baviera (Manuel Rubey), seu amigo e um dos raros confidentes capazes de compreendê-la. Cansada de uma vida reclusa, ela viaja entre a Baviera de sua infância e a Inglaterra, onde se hospeda com a irmã e cultiva um flerte com seu professor de equitação, Bay (Colin Morgan). 
 
É nesse jogo de situações, algumas inspiradas em episódios concretos da vida da imperatriz - como o caso com Bay -, que a diretora parte para vôos abertamente ficcionais, como o contato de Sissi com o cinema nascente e a heroína, assim como sua atração pelo suicídio. Se nem tudo é verdade, não há a menor importância, visto que as liberdades oferecem ao filme imagens de força e sentimento - como as sequências cinematográficas tendo Sissi como sua musa. 
 
Uma outra licença poética da diretora é usar uma trilha sonora, assinada pela francesa Camille, que recorre a músicas de outras épocas - caso de Help me make it through the night, de Kris Kristofferson. Mesmo se o recurso não é inédito, tendo sido usado, por exemplo, em Maria Antonieta, de Sofia Coppola, o contraste temporal aqui parece mais orgânico, remetendo aos sentimentos da protagonista, que antecipam novos tempos para as mulheres que, infelizmente, ela não teria como desfrutar.
 
Nas visitas ao hospício, cria-se, igualmente, uma alusão discreta ao modo como as mulheres divergentes eram “tratadas” naqueles tempos, tachadas como loucas por questões como o adultério. A identificação da imperatriz com aquelas vítimas de seu tempo é evidente. 
 
Ao final, o que resulta é uma personagem fascinante, cujas aventuras e frustrações se acompanha com interesse e são capazes de retratar o real foco da diretora e roteirista: a expressão de uma mulher em seu tempo e lugar. E isto o filme faz com muita propriedade e talento.
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