21/01/2025
Drama Fantasia

Praia Formosa

A jovem Muanza é trazida do Reino do Congo para o Brasil do século XIX, onde é uma pessoa escravizada. No casarão onde mora com sua proprietária portuguesa, ela descobre uma espécie de passagem secreta para o Rio de Janeiro do século XXI. Nos cinemas.

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Poucos filmes são capazes de trabalhar tão bem as permanências que atravessam a história do Brasil como Praia Formosa, de Julia De Simone. O nosso presente pós-moderno intocado pela história e incapaz de pensar historicamente e transformar, assim, as consequências do passado colonial. 

A protagonista é Muanza (Lucília Raimundo), uma jovem do Reino do Congo do século XIX, traficada para o Brasil, onde viverá na casa de uma portuguesa, Catarina (Maria d'Aires), numa casa marcada pela decadência, o que permite ao filme, estranha e belamente, uma direção de arte marcada pelo decadentismo, pela relações humanas tão desgastadas quanto as paredes e móveis. 

É nesse cenário que se desenvolve a relação entre Muanza e sua proprietária, uma mulher patética, representante clara de seu tempo histórico. A casa é marcada por cômodos e passagens, que são exploradas pela protagonista, que, novamente, são oportunidades muito bem aproveitadas pela diretora de arte, Arte Ana Paula Cardoso, e o diretor de fotografia, Flávio Rebouças, num mundo que transita entre o sonho e o pesadelo. 

Essas andanças permitem uma jornada pelo tempo, unindo pontas da história do Brasil e momentos em que a personagem vive no futuro (nosso presente). As idas e vindas permitem que Muanza e o filme experimentem as permanências da sociedade brasileira, em especial, é claro, o racismo. E nesse jogo que o filme descortina nossa estrutura sócio-histórica, fincada na exploração do trabalho escravo que escamoteia-se, atualmente, num trabalho assalariado precário e explorativo. 

Quando Muanza abandona de vez a casa, encontra-se no Rio de Janeiro contemporâneo, em busca de sua amiga Kieza (Samira Carvalho). O que se passa, a partir de então, no filme é sua enorme capacidade de figurar o presente histórico em nossa confusão de tempos e estilos marcada pela fragmentação das relações pessoais e superficialidade dos eventos na sociedade contemporânea. 

Os afetos são, por sua vez, construídos na união do coletivo. A Pequena África, uma região no Rio de Janeiro, formada pela Comunidade Remanescentes de Quilombos da Pedra do Sal, Santo Cristo, e outros locais habitados por escravizados alforriados, desde meados do século XIX até cerca de 1920. Atualmente, a região é um polo turístico na cidade, e também nome de um Centro Cultural, cuja gestora, Mãe Celina de Xangô, também está no elenco do filme. 

Ao encontrar suas pares nessa Pequena África, Muanza é capaz de descobrir a si mesma, sua identidade usurpada por uma sociedade escravocrata. O filme traz, de forma bastante potente, esse processo de redescoberta e fortalecimento de culturas e identidades das (ditas) minorias, que, como maioria no Brasil são fundamentais em suas lutas de resistência e busca por uma sociedade contemporânea mais justa e menos opressora. 

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