08/02/2025
Curta-metragem Fantasia

Uma Alegoria Urbana

Uma bailarina atrasada por conta da febre do filho de 7 anos, Jay, corre pelas ruas de Paris junto com o menino, tentando chegar a tempo para o teste de um espetáculo. Lá ela convence o diretor a deixá-la tentar sua chance de entrar no espetáculo, que se baseia no mito da caverna de Platão. Na Mubi.

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Alice Rohrwacher e JR formam a dupla de diretores desta pequena jóia cinematográfica que estreou mundialmente no Festival de Veneza 2024. É sabido que a cineasta italiana e o fotógrafo e artista plástico francês são exímios na arte de dar asas e materialidade à imaginação e é exatamente isto o que fazem neste enredo, inspirado no mito da caverna de Platão e que parte do espetáculo Chiroptera, com roteiro do próprio JR, ao lado do músico Thomas Bangalter e do coreógrafo Damien Jalet.

Uma Alegoria Urbana envelopa, aliás, todas as artes destes seus criadores, criando uma fantasia cinematográfica que se inicia com uma base realista: o aflitivo esforço de uma bailarina (Lyna Khoudri) para chegar a um teste, arrastando consigo, pelas ruas de Paris, seu filho de 7 anos, Jay (Naim Kaldaoui), cuja repentina febre foi a razão de seu atraso.

O menino, que parecia acessório na história, assume cada vez mais o posto de protagonista a partir do momento em que o diretor que comanda o teste (o cineasta Léos Carax), explicando à bailarina que o espetáculo versa sobre o mito da caverna de Platão, sussurra no ouvido do menino o segredo por trás deste mito, que ela desconhece.

A partir daí, é Jay quem ocupa o espaço das ruas de Paris, dando materialidade às reflexões propostas pelo mito, e que sugerem a possibilidade daqueles prisioneiros da caverna, só enxergando as sombras projetadas por uma realidade lá fora, de se libertarem das amarras, indo ao encontro da realidade mesma. 

Repetindo proezas visuais vistas num trabalho anterior com Agnès Varda, Visages, Villages (2017), JR transforma a aventura do menino pelos muros de Paris numa vivência sensorial, que permite textualmente arrancar das paredes as camadas superficiais da realidade aparente. Naqueles muros vazios onde no máximo se liam os autoritários dizeres “proibido colar cartazes”, rasgam-se, literalmente, as possibilidades de escavar novas percepções, numa sucessão infinita de descobertas.

Num filme que dialoga profundamente com vários outros, é possível lembrar, por exemplo, de outro curta francês, O Balão Vermelho (1956), de Albert Lamorisse, em que se retratava justamente a experiência extraordinária de uma criança no mundo sem fronteiras da imaginação. Com seus grandes olhos, o pequeno Naim Kaldaoui é uma das grandes forças expressivas do filme, num rosto onde se lê a inocência e a curiosidade em escalas múltiplas.

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