Não é numa prisão de segurança máxima, como a tristemente famosa Sing Sing, em Nova York, que normalmente se procura algum vestígio de arte. Mas é precisamente neste cenário sombrio, no filme de Greg Kwedar que sinteticamente empresta o nome da prisão, que se vai achar uma viva expressão do real significado do teatro - não exatamente apenas atuar, mas encontrar o que de humano, verdadeiramente humano, existe no fundo não só de cada personagem como de cada um de seus intérpretes, sejam eles quem forem, estejam onde estiverem.
Sing Sing, o filme, colhe seu rastilho na realidade. O roteiro, uma das três indicações ao Oscar, assinado por Kwedar e Clint Bentley, parte de um artigo publicado em 2005 na revista Esquire, a respeito do projeto Rehabilitation through the Arts (RTA). Implantado em estabelecimentos penitenciários dos EUA, o projeto levou diversos prisioneiros a descobrirem o poder regenerador do teatro. Um de seus inúmeros benefícios é que menos de 3% dos seus participantes têm reincidido no crime, uma vez libertos. Descobrir a arte parece levar também à criação de uma nova autoestima.
Uma singularidade do filme é uma discreta mistura entre atores profissionais e atores naturais - ao contrário do que acontecia por exemplo no docudrama italiano César Deve Morrer, dos irmãos Paolo e Vittorio Taviani, de 2013, que focalizava apenas o trabalho artístico dos detentos da prisão de Rebibbia, em Roma.
À frente do elenco, está o magnífico Colman Domingo, que colheu aqui a sua segunda indicação ao Oscar de melhor ator, vivendo o papel de John Divine G Whitfield, uma figura real que, aliás, faz uma pequena ponta no filme. Preso por envolvimento com tráfico e acusado de um homicídio que não cometeu, Divine G encontra um sentido de viver no grupo teatral de Sing Sing. Auxiliar do diretor do projeto, Bent Bruell (Paul Reci), Divine atua e também escreve a maior parte das peças encenadas ali dentro. É responsável também pela seleção de novos membros do grupo, ao lado de seu amigo, Mike Mike (Sean San Jose, outro ator profissional).
Os dois se dividem na hora de aceitar um novo integrante, Clarence “Divine Eye” Maclin (um impressionante egresso do RTA, interpretando o próprio papel). De temperamento violento, ele parece pouco apto a integrar-se nos quadros da trupe. Mas é justamente isso o que interessa Divine G, que se empenha para encaixá-lo no grupo. Todos os outros membros do elenco são ex-detentos ou ex-carcereiros. O cenário da prisão, evidentemente, não é Sing Sing, e sim a desativada Downstate Correctional Facility - onde Maclin, por coincidência, havia estado preso 27 anos antes. Duas outras locações vistas no filme são a Beacon High School e o Hudson Sports Complex (que foi antigamente uma prisão).
No foco do enredo, como não poderia deixar de ser, está uma montagem teatral. Os membros do grupo querem deixar de lado os habituais dramas e encenar uma comédia, cuja escrita é assumida pelo diretor Bent. Nesse texto, ele faz uma singular mistura de elementos pop e sofisticados, encaixando personagens como um imperador egípcio, cowboys, gladiadores, piratas, Freddy Krueger e Hamlet.
O filme se estrutura no paralelismo das dificuldades da eventualmente tresloucada montagem e o esforço de alguns detentos, caso de Divine G e Clarence, de encaminharem pedidos de redução de pena. Nessa dualidade de situações, cria-se um sensível e intenso painel humano em que se destacam não só o talento excepcional de Colman e Maclin, com papéis mais centrais, como dos personagens secundários - cuja atuação é fundamental para que não se esqueça que esta é uma prisão, um espaço fechado em que, apesar de não haver sinais muito explícitos de repressão, não há lugar para individualidade. Prova disso são as frequentes revistas das celas individuais dos prisioneiros, deixando atrás de si papéis e objetos pessoais revirados para lembrar que livre, ali dentro, só o pensamento.
Sendo ou não essa a intenção, o filme permite um exercício de reflexão, menos sobre o sistema prisional, já que não é um típico filme de prisão, e sim sobre a própria atuação. Afinal, estão confrontadas na tela técnicas muito diferentes. Mas, de todas as interpretações, mesmo aquelas mais despidas de grande técnica, salta aos olhos a verdade do que se encarna, que não dá para trapacear. E o conjunto do elenco, afinal, soa afinado, tocando a mesma música pungente.
John Divine G Whitfield, por sua vez, é a mais nítida expressão de sucesso do RTA. Ele já escreveu 13 romances, 3 deles publicados quando ainda estava em Sing Sing, onde ficou detido 13 anos. Ele está livre desde 2012.