É um clichê, mas é irresistível falar da pintora Eleonore Koch usando a frase “uma mulher à frente do seu tempo”. Nascida em Berlim em 1926, ela chega ao Brasil no final dos anos de 1930, onde fez da arte sua grande opção de vida, e construiu um nome num meio que era, ainda mais do que hoje, obviamente, marcado pela presença masculina.
O documentário As cores e amores de Lore é um projeto extremamente pessoal do cineasta Jorge Bodanzky. O filme começa sendo sobre sua mãe, Rosa, a quem Lore conheceu, mas logo se desloca para essa figura cativante e extremamente inteligente que foi a artista, morta em 2018. O diretor a acompanhou em seus últimos cinco anos de vida, em conversas pessoais, sem uma equipe, apenas eles dois e a câmera, o que fez Lore sentir-se confortável em se abrir e resgatar sua trajetória profissional e pessoal.
Diversas vezes ela explica que fez a opção pela arte. Se tivesse se casado e tido filhos, muito provavelmente não poderia ter se dedicado à pintura como o fez. Foi discípula de Alfredo Volpi, com quem aprendeu, além da pintura, a cozinhar com alho, e a quem criticou quando ele insistia nas bandeirinhas quando estas já não tinham, no seu entender, mais nada a acrescentar à obra dele.
Mas, mesmo sua escolha pela vida profissional não a impediu de viver histórias de amor, como com o professor, historiador e crítico Paulo Emílio Salles Gomes, com quem Bodanzky teve aulas na universidade. Cartas resgatadas pelo filme dão conta de outros casos amorosos. Amores livres, como sua arte, que Lore pregava.
Na forma do filme, Bodanzky consegue atingir a mesma delicadeza que a pintora tinha em suas obras. São bastante bonitas e instrutivas as conversas em que discutem o processo criativo de Lore, marcado por experimentações, frustrações e, por fim, o encontro da forma ideal para representação marcada pelo rigor, mas também pela liberdade do traço.
Olhar hoje para a trajetória e a obra de Lore é descobrir uma mulher que enfrentou preconceitos e adversidades num momento em que a arte se transformava radicalmente. Ao mesmo tempo, o filme traz um olhar muito carinhoso do Brasil, construído a partir da obra e das constatações de uma estrangeira que assumiu o país como sua pátria e material artístico.