17/04/2025
Drama

Girassol vermelho

Partindo de trem, Romeu tem uma parada imprevista no meio do caminho. Chega a uma cidade desconhecida mas não consegue saber onde se encontra. Envolve-se com uma mulher de vestido vermelho e logo é preso, sem conseguir descobrir a razão, tornando-se alvo de torturas.

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Baseado em dois contos do escritor Murilo Rubião, Girassol Vermelho, do diretor e multiartista mineiro Eder Santos, constrói uma viagem a um universo fantástico e perturbador. Apoiado numa cuidada fotografia (Stepan Ciupek) e direção de arte (Joana Porto e Laura Vinci), o filme cria uma atmosfera de pesadelo para retratar a descida ao inferno de Romeu (Chico Díaz). Partindo de uma estação de trem coberta de névoa - e em que o trem não parece ter mais do que um vagão -, ele leva consigo a flor do título, uma mala contendo maçãs e um livro. Outros passageiros entram e saem, comunicando-se com ele com poucas palavras e um bocado de telepatia. Mas a grande virada acontece quando o trem inesperadamente para no meio do nada.

Não é uma parada prevista e Romeu não consegue descobrir onde se encontra. Por mais que pergunte às raras pessoas que vê, ninguém lhe responde. Uma misteriosa mulher de vestido vermelho (Luíza Lemmertz) arma com ele um jogo de sedução, que é interrompido pela chegada de dois guardas. Aí começa o pesadelo kafkiano de Romeu. Como Josef K. do famoso livro O Processo, de Franz Kafka, ele não consegue descobrir porque foi preso e de que o acusam. Fazer perguntas é parte do delito, num ambiente em que ele é jogado numa jaula e submetido a interrogatórios e torturas, sendo pressionado a delatar. Mas delatar o que, quem é que sabe.

Construído com apuro visual, o filme evoca temas candentes de um mundo em que o renascimento da extrema-direita e seus métodos autoritários despertam inquietação. Essa beleza visual remete ao arcabouço tecnológico que emoldura esses tempos autoritários e serve mais para oprimir do que para para salvaguardar liberdades. O cenário, adaptado uma fábrica desativada de cimento, é habilmente reconstruído pela direção de arte de uma forma que simboliza a opressão que está no centro da narrativa. Os uniformes militares atemporais, oscilando entre os atuais e um toque futurista, reforçam a impressão de uma sociedade em que as vias democráticas se encontram obstruídas. No meio disso, o indivíduo, representado por Romeu, não encontra uma saída, porque ele busca o diálogo, a pergunta, que seus opressores não aceitam.

A sequência da parte final, representando uma grande mesa de jantar em que os comensais parecem petrificados, é de grande sugestão imagética, fechando de algum modo uma narrativa que não busca a linearidade e sim provocar sensações e sugestões, o que faz muito sentido num filme assinado por um dos pioneiros da videoarte no Brasil. Atração de abertura do recente Festival de Tiradentes, Girassol Vermelho é, aliás, parte de uma trilogia assinada pelo diretor, da qual o primeiro filme foi Deserto Azul (2014). A terceira parte encontra-se em desenvolvimento.

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